terça-feira, 16 de setembro de 2014

Criíica de Pedro Boléo no Públco ao concerto inaugural da OML que incluiu Six Portraits of Pain com Pavel Gomziakov e direcção de Pedro Amaral.

O intervalo mais pequeno

Em Six Portraits of Pain, de Pinho Vargas, respira uma ética interrogativa que foi captada com a respiração certa e a intensidade justa pelas mãos do violoncelista Pavel Gomziakov.
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A Orquestra Metropolitana abriu a temporada com delicadeza e "um ramo de flores", numa bela interpretação de Blumine, de Gustav Mahler, peça orquestral que chegou a fazer parte da sua primeira sinfonia.

Pedro Amaral dirigiu muito bem a obra, e a Metropolitana destacou-lhe o essencial: as delicadas ligações entre timbres desta romântica declaração de amor que um trompete faz à amada, do outro lado do Reno. A música de Mahler atravessou o rio (voando?) e predispôs o público para a escuta da peça central da tarde, Six Portraits of Pain, de António Pinho Vargas.

Como é habitual (mas tem de ser sempre assim?), a peça contemporânea é entalada entre duas peças não-contemporâneas, neste caso do repertório romântico, pois viria ainda Tchaikovsky para "descansar o ouvido" na segunda parte. Talvez seja assim porque a música nova é "perigosa" e "nunca se sabe se o público..." Enfim, hábitos curiosos e discutíveis que se cristalizam.

Mas detenhamo-nos ainda em Six Portraits of Pain. Refira-se, antes de mais, que esta apresentação contraria - e ainda bem - o destino ingrato de muita obra contemporânea que se fica por uma única audição, facto que Pinho Vargas não se tem cansado de criticar, e pelos vistos as coisas vão mudando para alguns (devagarinho...) - Seis Retratos de Dor, portanto. Ou será da Dor? Porque esta obra de intensa procura interior (criativa, emotiva) busca, cá fora, os ecos de uma dor maior, um lamento por um sofrimento comum nos limites do que se pode ou não pode dizer. Pinho Vargas arriscou exprimi-la, com a ajuda de outras vozes, a de escritores de tempos e lugares diferentes: Espinosa, Thomas Bernhard, Manuel Gusmão, Anna Akhmátova, Paul Celan.

Não se trata de um programa literário, como gostavam de fazer os românticos. E contudo há ecos de romantismo aqui, na procura da expressão profunda daquilo que é (quase) impossível exprimir e na forma como as palavras - que não se ouvem excepto numa pequena frase de Akhmátova - dão à música uma carga poética e podem sugerir ao intérprete uma posição, uma atitude, um questionamento. Em Six Portraits of Pain respira uma ética interrogativa que foi captada com a respiração certa e a intensidade justa pelas mãos do violoncelista Pavel Gomziakov, capaz de encher o São Luiz até em pianíssimo. Nos intervalos de segunda menor (o intervalo mais pequeno) que paulatinamente constroem as "dores" da obra - que são também as dores, as questões e as resistências da sua criação -, nesses pequenos intervalos abrem-se coisas grandes, problemas da violência da história ou sofrimentos cá de dentro, à beira da metafísica. Do doloroso violoncelo saem ecos para toda a orquestra.

E assim se vai para o intervalo cheio de dúvidas, julgando encontrar as certezas no tal "Tchaikovsky para descansar". Mas de repente o Tchaikovsky também já é outro - nem que seja em fragmentos de uma dolorosa beleza passada, que já não pode ser para nós. A orquestra aqui não tem dúvidas, porque é o repertório que sabe de cor. Mas a anunciada temporada da Metropolitana, aqui começada, podia ter mais choques com outras músicas de hoje (em que, aliás, Pedro Amaral é especialista), para além dos concertos com obras do "artista associado" do ano, que é António Pinho Vargas, e de pouquíssimas obras do século XX que, lembre-se, já é o século passado... Só nos fazia bem.
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Orquestra Metropolitana de Lisboa
Solista: Pavel Gomziakov (violoncelo) Direcção musical: Pedro Amaral Domingo, 14 de Setembro, às 17h30 Lisboa, Teatro São Luiz

PEDRO BOLÉO 15/09/2014 - 15:55 





sábado, 6 de setembro de 2014

Projecto de artigo para as Oficinas do Centro de Estudos Sociais

Penso escrever, nos próximos tempos, escrever um texto para as Oficinas do CES - onde se publicam artigos preliminares sobre investigações em curso ou problemáticas destinadas a posterior desenvolvimento - sobre a operacionalidade do conceito de não inscrição proposto por José Gil em Portugal: o medo de existir. Expondo o conceito, pretendo analisar ou colocar hipóteses de trabalho sobre a sua aplicação no que respeita à ausência interna da música portuguesa da tradição erutida hoje. Sendo essa ausência determinante para a ausência no contexto europeu desta prática musical como estudei em Música e Poder, trata-se de primeiro, interrogar o conceito e discuti-lo em vários aspectos; e em segundo lugar, distinguir a "não inscrição" por um lado na sociedade e por outro nos meios de comunicação social - os media em geral - que ocupam um lugar fundamental na definição do "espaço público", tal como foi definido Jurgen Habermas e actualizado pelo próprio e por outros autores, posteriormente. O meu de partida será identificar as diferenças entre o mundo da arte tal como existe na realidade social, nas práticas institucionais, na vida musical em geral e na vida da academia universitária, na própria produção dos artistas e nas suas apresentações públicas, por um lado o facto de este "mundo da arte" estar submetido particularmente no espaço público a processos de exclusão ou de atenção muitíssimo reduzida quer nas televisões, onde a exclusão é radical,  como mesmo nos meios de comunicação social escritos, os jornais em particular, nos quais se verifica uma gradual redução do espaço atribuído aos eventos e à crítica cada vez maior, realizando deste modo uma "não-inscrição" no espaço público que não é de modo nenhum idêntica ou concomitante com a realidade social, onde proliferam eventos, que há poucos anos mereciam outro tipo de actuação e de filtragem no espaço público. Esta diferença, o facto de as duas dimensões serem muito diversas, implica a operacionalidade do conceito apenas no que se refere ao espaço público em contra-ciclo com a real actividade tanto fértil na realidade dos factos como filtrada pelos critérios dominantes nos media, submetidos às lógicas de dominação existentes nos seus meios supostamente dedicados à actividade cultural. Esta situação oblíqua, este corte transversal, pode implicar uma "construção de ausência" ou de "não-inscrição" que não tem correspondência no todo social da actividade cultural que produz e ultrapassa os critérios estreitos de selecção subalterna dominantes no espaço público. Neste sentido tratar-se-á de delimitar a zona da "não-inscrição" aos media no seu conjunto e separar essa dimensão industrial ou empresarial da actividade real dos artistas enquanto zona do vivido e do social.

António Pinho Vargas, 6-9-2014

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Six Portraits of Pain (2005)

Na qualidade de "artista residente" desta temporada da Orquestra Metropolitana terei a minha peça Six Portraits of Pain no concerto inaugural, dia 14 domingo, às 17.30 com Pavel Gomziakov no violoncelo e a direcção de Pedro Amaral no Teatro São Luiz.