tag:blogger.com,1999:blog-65506708454178120102024-02-19T03:19:21.751-08:00António Pinho Vargas: escritosmúsica, leituras, textos, crítica.António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.comBlogger164125tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-64089328494606415492020-11-24T12:57:00.002-08:002020-11-24T12:57:15.021-08:00Nota sobre Angst (2020)<p> <span style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">Nota sobre <i>Angst</i> (2020)</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;">A peça para violino solo Angst foi composta na sequência do convite da exposição “De casa para um mundo” da Bienal de Arte de Cerveira propondo uma interacção sucessiva de três formas de expressão artística. Assim, recebi primeiro o texto de Francisco Duarte Mangas, depois a imagem de Graça Pereira Coutinho e cabia-me compor uma pequena peça musical.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;">A própria exposição será o momento real da interacção. Ler, olhar e ouvir. A esse desafio procurei responder com <i>Angst</i>. Vivemos o confinamento como situação extrema, como estado de emergência ou, com Walter Benjamin, “estado de excepção”. Vivemos ainda a pandemia com temores. Nenhum de nós viveu até hoje nenhuma situação semelhante ainda menos com esta amplitude global. Uma interrupção brutal do modo da vida em sociedade até então “normal” cujas consequências ainda não podemos senão vislumbrar. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;">Foi dessa sensação de mal-estar difuso que parti. <i>O compositor tem a sua ideia-metáfora, define os seus materiais e as suas regras para cada obra; lança-se no ar, naquilo que ainda não existe mas talvez venha a existir</i>. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;">Ter estas ideias e referências iniciais, ter um tal título, deu origem a algumas determinações da música. <i>Angst </i>alterna três elementos principais: notas longas (uma ou duas) de diferentes durações, grupos de valores rápidos com várias figuras rítmicas e ainda silêncios recorrentes. Estes três elementos, nas suas diversas realizações e interações em transformação no desenrolar temporal até ao primeiro e ao segundo climax, estão presentes do início ao fim da obra e marcam a sua realidade. O discurso musical assim sistematicamente interrompido ou tripartido, sendo os próprios silêncios variados com pausas e fermatas de duração indeterminada, constituiu a realização que fui capaz de compor, o passar da ideia-metáfora inicial para pôr-em-obra uma possível concretização da angústia, tão frequentemente associada à criação artística em geral, não sem alguma razão. Agradeço a Tamila Kharambura a sua grande generosidade e a sua excelência na verdadeira recriação desta obra.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;">António Pinho Vargas <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: #1a1a1a; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 14pt;"><o:p></o:p></span></p>António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-81598294043012769522019-07-27T13:45:00.004-07:002019-07-28T03:11:15.448-07:00Partindo de Anner Bylsma: cada nota devia estar "grávida da seguinte".<div style="-moz-text-size-adjust: auto; -webkit-text-stroke-width: 0px; caret-color: rgb(29, 33, 41); color: #1d2129; font-family: system-ui, -apple-system, BlinkMacSystemFont, ".SFNSText-Regular", sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; margin: 0px 0px 6px; text-align: justify; text-decoration: none; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
Na peça do Público de hoje que noticia a morte de Anner Bylsma, cita-se no título uma sua frase, "o homem que dizia que cada nota devia estar "grávida da seguinte". Esta expressão, deveras extraordinária, capta aquilo que me parece ser o aspecto mais essencial da música tanto no que respeita à interpretação como no que respeita à composição: a condução do discurso musical (por outras palavras)<span class="Apple-converted-space"> </span><br />
<br />
Na teoria musical tonal tradicional a nota mais "grávida" de uma escala será a sensível - na escala de Dó o Si.<span class="Apple-converted-space"> </span><br />
Nas teorias dos russos da passagem do século XIX para XX Boris Yavorsky e Boris Asafief, teóricos importantes para a formação e diversos modos de pensar escalas e modos - de certo modo já presentes nem que parcialmente na música de Scriabin - e formar ou informar modos de pensamento musical dos compositores russos da geração seguinte como Shostakovich. Para estes tériocos eram as notas fá-si tanto harmonicamente como também enquanto base de estruturas melódicas e escalares de todos os pontos de vista do desenrolar musical, era aquela "díade", aquele intervalo de trítono, que continha em si a pulsão crucial para a resolução tanto meio-abaixo como meio-tom acima, ou seja resolução para mi-do ou inversamente para fá#-lá#. Nestas ideias está presente a relação de trítono entre dó e fá# - frequente em obras de Scriabin - tal como, de outro modo, as escalas octatónicas de Rimski-Korsakov e, logo de seguida, usadas pelo seu aluno Stravinsky.<span class="Apple-converted-space"> </span><span class="Apple-converted-space"> </span><br />
<br />
É óbvio que na música tonal se verificava o mesmo, mas o fá-si na música tonal ocidental era visto, julgo, mais enquanto elemento harmónico-vertical (parte do acorde de sétima da dominante - (sol-si-re-fá) - e, de certo modo era desse modo que se sobrepunha como motor da resolução "final" dominante-tónica. Portanto a realização das funções tonais V-I.<span class="Apple-converted-space"> </span><br />
Esta é teoria elementar que todos os músicos conhecem.<span class="Apple-converted-space"> </span></div>
<div style="-moz-text-size-adjust: auto; -webkit-text-stroke-width: 0px; caret-color: rgb(29, 33, 41); color: #1d2129; font-family: system-ui, -apple-system, BlinkMacSystemFont, ".SFNSText-Regular", sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-decoration: none; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
Penso, não obstante, que qualquer nota em contextos dados se pode tornar "sensível" ou seja, encarnar uma força que se dirige para uma resolução ou outra ou mesmo para a sua não-resolução o que lhe atribui todo um outro campo de possibilidades.<span class="Apple-converted-space"> Nas minhas últimas peças a partir do Concerto para Violino até Sinfonia (subjetiva) esta problemática esteve muito presente durante a composição dessas quatro obras. </span></div>
<div style="-moz-text-size-adjust: auto; -webkit-text-stroke-width: 0px; caret-color: rgb(29, 33, 41); color: #1d2129; font-family: system-ui, -apple-system, BlinkMacSystemFont, ".SFNSText-Regular", sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-decoration: none; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
Na música de Mahler nós vemos permanentemente o jogo (spiel) entre resolver ou não resolver, ou resolver para ali e depois para acolá, etc. Pode-se dizer que também em Beethoven tais situações abundam e estará certo. Aparentemente trata-se de um facto conhecido pelos estudiosos de música: resolução por cadência perfeita ou cadências interrompidas ou evitadas existem em muita música do barroco até Wagner e Mahler. Certo. Mas<span class="Apple-converted-space"> que enorme diferença no uso mais antigo e aquele da passagem dos séculos XIX-XX! E sobretudo que potencial ainda existirá por explorar nas obras e nas técnicas dos mais próximos de nós. As fases de transição são sempre de uma enorme riqueza. As regras ainda não estão suficientemente estabelecidas e esse facto cria novas "maneiras", abertas a desenvolvimentos ainda por explorar. </span></div>
<div style="-moz-text-size-adjust: auto; -webkit-text-stroke-width: 0px; caret-color: rgb(29, 33, 41); color: #1d2129; display: inline; font-family: system-ui, -apple-system, BlinkMacSystemFont, ".SFNSText-Regular", sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; margin: 6px 0px 0px; text-align: justify; text-decoration: none; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
A expressão de Bylsma alarga esta pulsão a cada nota e torna-a crucial para o discurso no seu todo. Cada nota tem sempre uma outra a seguir (excepto se for a última) e aquilo que a sua expressão põe em destaque é a continuidade do discurso, a sua razão de ser em cada momento, a condução de nota para nota. Uma e depois outra, seja qual for a sua relação de intervalo, tem de parecer "grávida" da seguinte, tem de estar justificada ou preparada para que a seguinte seja plenamente compreendida pelo ouvinte como lógica ou bela, portadora de prazer ou surpreendente, o que será o caso das não resolvidas embora no entanto grávidas. É possível a "sensibilização" de qualquer nota num novo quadro ainda por realizar. </div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-68491342210383648842019-05-26T10:56:00.000-07:002019-05-26T10:56:02.422-07:00Sempre uma singularidade<div style="text-align: justify;">
Nota sobre <i>singularidade</i></div>
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Cada obra de arte musical, ou outra, é sempre uma singularidade. Este é o ponto principal deste folheto. </div>
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<br /></div>
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As noções que mais tarde se podem associar a cada uma dessas singularidades como a noção de <i>estilo</i> - ou de época ou de orientação ou influência e por aí adiante, sendo <i>estilo</i> o que tende a ser mais exagerado no seu uso - que o carácter <i>singular</i> das obras como que desaparece debaixo da pulsão de erudição identificadora potente deste ou daquele estilo, desta ou daquela época, desta ou daquela tendência ou "escola". Este momento de identificação bibliotecária é útil porque permite encontrar o livro porque estando mal arrumado está perdido na imensa biblioteca. Mas é sempre uma intervenção posterior, nem que seja apenas um dia, mas geralmente séculos ou décadas. O processo pode ser individual, um único agente do campo cultural, ou colectiva ou generalizada sendo a passagem do tempo o facto que permite a junção de uma maior gama de intervenções classificadoras. <br /> </div>
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<br /></div>
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Não se trata de classificar ou agrupar mal ou bem. Trata-se de considerar menos ou quase nada o essencial da <i>singularidade</i> que cada uma é. Nem sequer um nome, canónico ou não, célebre ou quase desconhecido, se pode equiparar ou substituir às singularidades que cada obra constituiu. </div>
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<br /></div>
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A cada nome liga-se pelo contrário uma lista de obras, de livros, de filmes, de poemas, etc. Neste lance biográfico surge a noção de "autor", de "criador", de membro de uma escola de três outros, etc. Estes conceitos são usados por todos e por mim próprio. Mas quero aqui afirmar que o seu uso agrava e ofusca a aparição que cada obra é. <br /><br />O carácter singular não implica nenhum juízo de valor. Existe de forma independente da qualidade ou da falta dela, coisa que sabemos poder existir e, por vezes, o tempo faz mudar ou alterar o juízo, conforme passa e os juízos feitos num certo momento do tempo podem ser substituídos, actualizados ou recontextualizados noutro momento do tempo posterior. <br /><br />Em todo o caso todas estas práticas de tomadas de posição são usuais e frequentes. Fazem parte dos discursos correntes sobre a música e a artes em geral. Quanto vale um nome? Quanto vale um Vermeer? Ou um Cezanne? Ou valores são muito elevados. Cada campo valoriza um nome e uma lista de obras. E apenas alguns são capazes talvez de considerar como mais importante do esse valor social geralmente aceite aquela singularidade particular. No fundo todos sabemos isso. Quando um prática discursiva se enraíza verifica-se que as raízes se multiplicam, se usam muito e se naturalizam. Julgo que não há nada a fazer pelo que me diz respeito. O número de vezes que as usei como natural não tem limite. É assim que falamos uns com os outros. Usando generalizações e lugares-comuns correntes. </div>
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<br /></div>
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(mas há <i>singularidades</i>...) </div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-47523592526257923412019-05-01T10:03:00.002-07:002019-05-01T10:12:40.966-07:00As transformações históricas da designação 'música clássica'<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Nenhum termo passou mais adequadamente de um significado estrito original a outro mais alargado do que o de 'música clássica'. Historicamente basta o usar o título de um livro famoso de Charles Rosen <i>The Classical Style: Haydn, Mozart, Beethoven</i> para se circunscrever a origem e o âmbito: um certo estilo de um certo tempo. Hoje, depois de um processo histórico complexo o termo "música clássica" alargou-se no tempo - para trás e para a frente - e é aplicado sem aquele rigor original, mas com outro tipo de justeza diversa. Designa na acepção geral e comum, toda a música da tradição escrita ocidental que usa um certo tipo de instrumentos - a orquestra, por exemplo, e o seu repertório canónico das salas de concertos entre muitas outros tipos de formações vocais e instrumentais quer anteriores quer posteriores - esse número foi-se transformando e crescendo), tem os seus espaços próprios, os seus mitos, o seu sagrado. Quem não olha de perto esta prática musical muitas vezes se refere a ela sem hesitação como "a clássica" mesmo que do primeiro ponto de vista um determinado concerto possa até não incluir nenhuma obra do dito período original de Rosen. (Viena 1800 grosso modo). Pode não incluir nenhuma música clássica stritu senso mas o que inclui é a tradição hoje muito mais vasta na qual ela foi um momento decisivo. Tão decisivo como fundador de a longo prazo de uma identidade, de um ensino especifico, de instituições próprias. Acrescenta tanto para o seu passado e como para a sua posteridade, com um sentimento de partilha, de pertença àquela identidade sonora e histórica; implicitamente tanto agrega por um lado, como distingue por outro face a muitas outras práticas musicais. É um signo que se usa para identificar para o seu interior e distinguir para o seu exterior (que não obstante existe no seu igualmente vasto número). Não há nenhum problema, porque a diversidade do mundo é incomensurável desde que se saiba que história é esta. Por isso, Richard Taruskin escreve no seu prefácio da <i>Oxford History of Western Music </i>(2004) o título "A History of What?" na edição original de capa dura.</span></span></span></div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-49054026106919579182018-11-29T07:56:00.002-08:002018-11-29T08:02:24.581-08:00Sobre Memorial para Orquestra Sinfónica OML: Cinco de vários episódios de um fazer.<div style="text-align: justify;">
Sobre Memorial para Orquestra Sinfónica - Estreia dia 15 Dez. Culturgest, Sábado, 19.00 OML. </div>
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<b>Cinco de vários episódios de um fazer</b><br />
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1. A grandeza de um escritor reside, antes de mais nada, na sua escrita, nas suas palavras, nas suas frases, nas suas histórias. Estes aspectos, essenciais na grande arte de Saramago, são próprios da literatura e estavam por isso para além do alcance do compositor. Apenas as poderosas metáforas dos seus últimos livros (cegueira, lucidez, luzes e a violência neles presente de muitas maneiras) podiam ser tomadas como ponto de partida para uma composição que o celebrasse e o pudesse honrar no modo próprio da música. <br />
<br />
2. […] No entanto, conceitos ou metáforas, por ricos que sejam, como é o caso, não compõem uma obra musical. Estimulam, orientam, podem conduzir a um resultado, a uma expressão, a uma forma, traçando talvez um quadro prévio de acção. Mas aquilo que é necessário descobrir e compor tem de se produzir e realizar por si só enquanto música. Por isso, não era de modo nenhum adquirido que poderia sequer compor esta obra. <br />
<br />
3. […] Recebi o convite com alegria e temor, aquela estranha sensação simultânea que talvez sempre exista na criação artística. Colocado esse ponto de partida, refletindo com grande esforço e dureza no início da busca de um modo-de-fazer particular e levando a cabo um trabalho insano, creio ter conseguido avançar no caminho. ... <i>Ay que caminar</i>.... Mas o caminho é sempre incerto. […]<br />
<br />
4.[…] A palavra diz, profere, enuncia com facilidade e potência. Sem esses recursos, a música, no entanto, 'significa' na sua mera existência enquanto tal, sem reclamar nenhum absoluto. Mas a sua significação é 'flutuante', um mistério que viaja no ar até ao sentido auditivo, uma percepção sensível diversa do visível ou do legível. As interpretações do eventual significado serão seguramente infinitas como sempre acontece nas artes. Não há consensos. Mesmo quando a linguagem natural, tanto dita como escrita, nos parece ser unívoca, o seu contacto com o 'outro' (o ouvinte, o espectador, o leitor) vem-nos demonstrar a sua multiplicidade inerente, máxima, sem outro fim que não essa pluralidade aberta e infinita. Cada livro transforma-se, transfigura-se com cada leitor e aí reside uma riqueza da literatura. Mas, nesta arte particular, os estranhos signos de uma partitura de uma obra musical precisam que exista entre eles e os ouvintes um outro tipo de 'interpretação', aquela que os músicos sempre nos fornecem de cada vez com o seu empenho. Sem este primeiro tipo de interpretação não há música senão como potencial-por-ser. […] Ao compositor deste Memorial pedia-se que usasse as metáforas do grande escritor para dar corpo e consistência à celebração e, ao mesmo tempo e de forma implícita, que fosse capaz de produzir um discurso musical construído a partir delas mas simultaneamente autónomo.[…]<br />
<br />
5. […] Compomos para espectadores emancipados (Rancière) e para um mundo-da-arte complexo regulado por instituições, elas próprias dotadas de variantes infinitas nas diversas geoculturas. Haverá um devir possível que nada nos garante antecipadamente. Nada. Essa é a condição das obras musicais que fazemos neste tempo. Sempre o foi, apesar da 'ilusio' […]<br />
<br />
Entre Maio e Novembro 2018<br />
APV</div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-23737118235849146532018-10-09T01:48:00.002-07:002018-10-09T02:24:27.665-07:001. Sobre a noção de estilo<div style="text-align: justify;">
A noção de estilo serve, em primeiro lugar, para designar uma prática comum durante um certo período histórico, o estilo clássico sendo o exemplo mais usado com propriedade. O livro de Charles Rosen <i>The Classical Style: Haydn, Mozart, Beethoven </i>é um dos casos que permite verificar a operacionalidade do conceito aplicado a uma geração de compositores que abarca aqueles três mestres vienenses e engloba muitos outros menos célebres que igualmente compunham de acordo com aquela "common practice" daquela fase crucial da história da música. É o culminar do sistema tonal - de muito maior duração no tempo histórico - e o ponto de viragem histórica verificada durante todo o século XIX que gradualmente torna a música mais <i>uma arte de interpretação</i> de música do passado do que uma <i>arte de criação</i>. Este facto não significa que a criação musical tenha terminado, como é evidente, mas significa que foi em torno daqueles 3 compositores aos quais alguns anos mais tarde (1830) se acrescentou o nome de J. S. Bach, ilustre, mas ausente durante quase um século da vida musical real, que se formou aquilo que hoje são as temporadas "clássicas" na acepção genérica do termo, o cânone musical ocidental. Sabemos hoje que o processo social que se iniciou então não parou de se aprofundar até hoje ao ponto de "música clássica" designar, nos discursos correntes, toda a tradição da música escrita ocidental - por isso <i>literata</i>, <i>erudita</i> nesse sentido de reclamar a escrita como prática necessária e como modo de sobrevivência histórica - com a longa duração de mil anos. </div>
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<br /></div>
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Mas em segundo lugar, o termo <i>estilo</i> é muitas vezes associado a um compositor sendo pouco considerado o facto de o conjunto da sua produção em todos os casos sobretudo a partir justamente da Primeira Escola de Viena - designação igualmente corrente para aqueles três compositores do final do século XVIII e inícios do século XIX, ser muito variado de vários pontos de vista. No entanto é com Beethoven que, com maior clareza, a individualidade de um compositor se torna complexa, problemática e dividida em fases. Foi já no século XIX que <i>as três maneiras</i> de Beethoven foram identificadas e descritas. No século XX como exemplo da complexidade do sujeito criador acrescenta àquele outros nomes nos quais fases distintas se distinguem com clareza. O caso mais conhecido entre vários outros é o de Stravinsky, igualmente com três fases. O próprio compositor refere nas suas conversas com Robert Craft a questão dos "my styles". Se em Beethoven as três maneiras foram sendo identificadas e descritas depois de uma longa maturação após a sua morte - havendo no entanto já algumas referências dos seus contemporâneos a uma certa <i>estranheza</i> que o seu "estilo tardio" - dizemos nós hoje - provocou, pelo contrário em Stravinsky, as alterações procederam por cortes mais rápidos, mais radicais e caracterizados de forma abrupta no percurso complexo da sua vida. <br />
<br />
Este modelo interpretativo vigora de dois modos. Por um lado, em relação a grupos que adoptaram uma técnica determinada e um conjunto de princípios comuns (a Segunda Escola de Viena, a Escola de Darmstadt, os espectralistas, etc) e, por outro lado, na análise dos estilos sucessivos no tempo dos percursos de cada um. Este último aspecto é quase inevitável nos discursos sobre a maior parte dos compositores individuais. <br />
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No ponto seguinte irei descrever de que forma posso pensar uma auto-análise do meu percurso e do meu trabalho em torno deste conceito.</div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-39235064792464440112018-06-08T02:38:00.001-07:002018-06-09T07:01:23.516-07:00O que poderia talvez dizer (se o "pudesse" dizer)<div style="text-align: justify;">
O filósofo Sousa Dias afirme no livro Pre-Apocalipse Now, em diálogo com Maria João Cantinho, o seguinte: "a arte moderna interessa-me bastante, mas tanto como a arte de muitas outra épocas, nem mais nem menos. Na pintura, e para dar exemplos aleatórios de um lado e de outro, Tiziano, Velásquez, Rembrandt e Vermeer são referências minhas tão importantes como Picasso, Matisse, Malevich ou Klee para não falar de Cezanne […]. E na música então, sou muito mais sensível à tradição clássica do que à tradição moderna iniciada com Schoenberg e a escola de Viena. Não, a minha questão nunca foi a da arte moderna, mas antes a própria essência da arte, a do ser-arte da arte entendida no entanto essa essência não como mesmidade abstracta, metafísica, das várias artes, mas como função prática comum, ou co-ressonância das suas específicas funções".<br />
<br />
Tentarei descrever a minha posição relativamente a este aspecto e, sobretudo, as razões que me levam a afirmar "não poder dizer". Julgo que esta posição deve ser vista, em primeiro lugar, a partir da existência da minha "paixão musical" (Antoine Hennion) e, em segundo lugar, do ponto de vista de um criador, de um compositor. A paixão musical pode abarcar neste nosso tempo todas as músicas do passado e do presente tal como muitas e várias práticas musicais de diferentes tradições e culturas. Isto é válido para toda a gente como possibilidade hoje viável. Depois de 1900, sobretudo, toda a história e toda a geografia da música foi-se tornando progressivamente ao nosso alcance, disponível para o nosso conhecimento e fruição através principalmente da existência simultânea, presente, de gravações que nos fornecem esse acesso antes daquela data muito mais restrito. O compositor é, antes de qualquer outra coisa, alguém com "uma paixão musical" enquanto ouvinte. Foi, aliás, essa paixão que o tornou compositor numa fase já posterior a anos de ouvinte possuído pelo encantamento e pelo excesso próprio das paixões. Nesse sentido, poderia reescrever a posição de Sousa Dias dizendo que depois de Mahler, mas com ele, todo o período neoclássico, tem talvez mais potencial de futuro do que aquele que foi enunciado como errado, durante os modernismos radicais que se foram seguindo acompanhado das mais diversas exclusões. Mas, no entanto, para além das periodizações de uns e outros, <i>há</i> as obras de todos eles. Mesmo na segunda metade do século há obras deras notáveis a meu ver. Portanto, não traço a mesma linha de partilha que Sousa Dias enuncia, aliás, amplamente maioritária a julgar pela programação dominante nas salas de concertos do mundo. Isso constitui todo um outro aspecto a considerar diferentemente. <br />
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Prosseguindo, não "<i>posso dizer</i>" - para enfrentar desde já a questão fundamental levantada pelo texto de Sousa Dias - é uma afirmação metafórica que procura destacar o facto de haver <i>obras</i> e um conjunto de razões. No momento em que começo a trabalhar numa composição <i>o passado começa ontem</i>. Ou seja, todo o passado, incluindo o excluído de acordo com os diversos e contraditórios traços de exclusão, tudo aquilo que existiu como música foi-me dado, pertence-me toda a arte e toda a música que a vida me tornou conhecida, disponível, amável, admirável. Nesse sentido, o passado da arte que terminou ontem, está lá <i>completo</i>, dado no seu todo incomensurável tal como toda a arte e toda a música que, por uma razão ou outra, se me foi tornando conhecida e depois privilegiada pelo meu gosto, pela minha paixão. </div>
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Nessa posição <i>inaugural</i> o compositor tem perante si um <i>espaço aberto de possíveis</i> no qual o tempo se nivela numa espécie de mancha indistinta sem passado. Pode, se se der a esse trabalho, identificar uma época, um nome, uma obra até. Mas geralmente aquilo que o domina não tem como determinação fundamental esse tipo de identificação. Antes o domina uma <i>força sensível</i>, uma captura de um potencial que se perfila como possibilidade de crescimento, de continuação, de desenvolvimento para usar termos usuais na composição musical. Ainda mais importante, a <i>ideia</i> que antes se procurou captar, formular, perceber, ao surgir como embrião, como núcleo, como "vago mal estar" do que se sente como necessário fazer, o vislumbre de algo por vir, a <i>ideia</i> dizia, assume a total primazia. Torna-se condutora do processo em curso e muitas vezes demasiado estonteante para poder ser interrompida. Todas as minhas predisposições, todos os meus afectos, ficam momentaneamente postos em suspenso. Nesses momentos toda a memória do passado, que ontem se consumou, pode obrigar, determinar, conduzir nas mais diversas direcções aquilo que se pôs em movimento. O que irá trazer isto ou aquilo está já presente no esboço, no esquisso. Quando digo <i>toda</i> a memória do passado, desloco-me para um ponto exterior às designações temporais - clássico, moderno - que Sousa Dias usou. Mas, tal como para o autor, é o ser-arte ou o ser-música que é o ponto crucial. <br />
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Fazia parte das frases muitas vezes ouvidas ou lidas de professores e compositores a que dizia: <i>deve-se deixar o material falar</i>. Tenho hoje algumas reservas em relação ao conceito de material, carregado de ressonâncias de uma certa fase do passado e, com o tempo, fui sendo capaz de pensar outros termos. Deste modo, pensando mais em <i>objectos sonoros</i> - designação talvez inadequada mas ao mesmo tempo maleável enquanto mera metáfora daquilo que existe de uma certa forma num dado momento - estamos perante um ponto de partida e uma ideia ainda vaga (ou não) daquilo que se pode vir a realizar enquanto discurso musical. <br />
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Neste momento do trabalho todo o passado, toda a história, todo o conhecido se pode tornar disponível à distância tal como pode mesmo desaparecer completamente. O que existe, adquire uma potência própria e impossível de contornar ou de fazer desaparecer, a não ser que no intenso desenrolar do trabalho composicional nos surja uma sensação de erro, de realização insuficiente, de falhanço sem recurso. Aí, é mesmo necessário apagar, fazer desaparecer o que foi feito e fazer de novo, recomeçar de novo: "falhar sempre, falhar cada vez melhor" (Becket). Cabe a cada um julgar em cada momento o sentido daquilo que está a fazer. Momento tão necessário como tormentoso.<br />
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O que pretendo pôr em relevo neste pequeno texto é o facto de aqueles nomes, aquelas fases, aquela história, aquela obras que conhecemos - que nos são importantes enquanto ouvintes ou espectadores das artes - no acto do fazer artístico como que se nivelam numa espécie de anacronismo total desde sempre lá presente, tanto ontem, como há cem ou há mil anos. Essa espécie de intemporalidade, esse anacronismo presente em todo o passado enquanto sempre contemporâneo, que nos permite dirigir o olhar para outras dimensões mais profundas do já feito, seja qual for o seu tempo originário, coexiste com a busca presente naquelas tentativas incessantes que nos obrigam a prosseguir, e desse modo, o gesto virá a consumar-se numa certa obra cujas determinações tanto nos podem escapar como serem por demais evidentes. Depende de cada caso. No entanto não é aí que reside o essencial do que foi feito. É nele próprio que existe aquilo que o realiza, que o salva ou não salva. Nada de exterior à obra conta para essa avaliação de si própria. Estando a música, por definição e sempre num estado de devir possível, nunca poderemos saber o destino desse devir sempre em aberto.<br />
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Deste modo a dialéctica do peso e da leveza inverte-se em relação às ressonâncias habituais e ao prestígio simbólico diverso adquirido pelos dois termos da dicotomia. É na obra, a meu ver, que se concentra <i>o peso e a persistência da obra</i>, de acordo com o princípio da individuação - sendo este um <i>processo</i> de certo modo nunca está concluído - que cada um estabelece, delimita, cria para si próprio. Cada individuação específica, sendo um acto de liberdade ou uma sucessão indeterminada de actos de liberdade, é válida apenas para cada um e não impõe outros princípios criadores possíveis noutros indivíduos. Sem considerar este pressuposto não haveria liberdade no diverso fazer de cada humano. Inversamente, a leveza, que pode <i>dissolver no ar tudo o que é sólido</i>, provém das contingências históricas e sociais deste tempo, de cada tempo e como tal, deriva de outro tipo de determinações que, em última análise, são estranhas às obras: estão aquém ou além delas.<br />
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António Pinho Vargas, Junho 2018. </div>
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António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-7811433040650332672018-04-21T06:42:00.004-07:002018-04-22T13:11:55.068-07:00História e o vivido (que nem sempre é "histórico")<div style="text-align: justify;">
Qualquer general das batalhas do passado sabia que avaliar as forças do inimigo era uma parte muito importante das decisões relativas à disposição das tropas no terreno e das deliberações sobre a estratégia a adoptar. Mesmo assim, em cada batalha, no final houve quase sempre vencedores e vencidos. Em poucos casos a situação ficou como que indefinida, sem clareza quanto ao vencedor. Normalmente nestes casos era o que estava-para-vir que poderia definir se a retirada poderia vir a ser um adiamento da vitória futura para um dos contentores, ou seja, do vencedor não talvez da batalha mas da guerra. A decisão da vitória não se definia apenas pela soma das batalhas mas colocava-se sobretudo em termos da estratégia geral da guerra em questão entre contentores. Os historiadores, quando escrevem, já sabem o que aconteceu posteriormente e a sua narrativa é inevitavelmente afectada por esse conhecimento do que estava por-vir. </div>
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No caso que me interessa abordar julgo que não se pode colocar a questão nestes termos. Em primeiro lugar não há nenhuma guerra; em segundo lugar não há propriamente vencedores nem vencidos. Tratando-se de arte quando muito pode-se verificar onde e quando residem as hegemonias de certas direcções, de certas correntes num dado momento histórico, a eterna sucessão de novas obras criadas para um destino incerto (o que não é um exclusivo deste tempo, mas do tempo). Nem sequer a História, que nas guerras descritas posteriormente em relação aos factos ocorridos e não durante a sua existência real no tempo, naquele tempo vivido na luta, vem em auxílio dos historiadores que munidos desse saber posterior, sublinham logo o potencial de vitória ou derrota em cada caso de incerteza. Os critérios de selecção do passado mudaram e mudam muitas vezes, Na arte verifica-se que num dado momento histórico uma tendência, uma prática, uma arte parece ser dominante - sendo-o de facto naquele tempo - mas algumas décadas mais tarde essa tendência dominante do ponto de vista simbólico ou real, como que se esfuma, perde energia criativa e torna-se cada vez menos dominante, do ponto de vista dos seguidores, da importância no ensino, da importância quantitativa em número de concertos, de exposições, ou mesmo, no valor económico das pinturas que, neste tempo em que escrevo, se elevaram nas artes plásticas a números impensáveis há algumas décadas. Todos estes factores consideram sobretudo a recepção de obras, o seu impacto num determinado campo social, numa determinada região do mundo - uma geo-cultura - e talvez a sua capacidade de reprodução noutras obras durante um certo tempo, mais do que propriamente qualquer julgamento de valor que considere um indiscutível de uma vez por todas. Pode parecer indiscutível num certo espaço-tempo, o que será certamente verificável nos muitos livros chamados história da arte, história da música, história do cinema, etc. Neles, a descrição é afirmativa e definitiva, ao ponto de, ao ler livros antigos, ou muito antigos, nos espantarmos com as diferenças entre o que foi escrito então e aquilo que nos parece hoje. Varia sempre.</div>
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Estamos impedidos de considerar o futuro antes dele acontecer, a não ser como lugar do tempo onde depositamos os nossos desejos ou as nossas preocupações, mas não há razão plausível que nos impeça de poder prever ou antecipar que idênticas surpresas irão ocorrer. Dito isto, o desconhecimento do futuro não impede que, neste momento, como antes em vários momentos do passado, cada autor/historiador tenha afirmado (ou afirme hoje) com total convicção o potencial de futuro desta ou daquela obra ou corrente ou modo-de-fazer. Nesta perspectiva o futuro não existe ainda, mas o que existe já enquanto anúncio-da-legitimação é a convicção de que o futuro não deixará de atribuir àquilo que, em suma, nós acreditamos hoje, ou seja, o mesmo valor. O futuro surge deste modo com relativa frequência discursiva no presente - com funções legitimadoras no presente - embora na realidade se esteja perante uma projecção de um desejo, de uma crença, de uma convicção, de um receio. O acto de projectar no futuro aquilo em que hoje acreditamos aumenta aparentemente a nossa segurança, e, nos casos conhecidos, a nossa "filosofia da história", é um garante prévio da justeza das nossas crenças actuais. A esta atitude chamou-se "historicismo" quando foi necessário verificar que muitas previsões, pura e simplesmente, não se concretizaram. Na verdade, nos textos antigos - dos vários séculos - com alguma dose variável de "cientificidade" verbal, tal discurso serviu para tornar mais certo um determinado desenrolar <i>futuro </i>ao ponto de, mesmo após um falhanço da previsão, se poder continuar na crença anterior com base no argumento de que ainda não se verificou mas <i>mais tarde ou mais cedo irá acontecer.</i> Tomemos como exemplo o Juízo Final. Acima de todas estas projecções avulta a marxista enquanto argumentário sobre o fim do capitalismo como <i>necessidade histórica</i>. Neste caso muitas páginas foram escritas tanto num sentido como no seu oposto e o termo <i>emancipação</i> substituiu hoje não apenas o comunismo como mesmo o socialismo. Infelizmente para nós, incluindo-me eu no grupo dos que desejariam um tal desígnio para as sociedades humanas, <i>a emancipação social</i>, o que verificamos hoje é o crescimento do seu contrário: o aumento das desigualdades globais. No entanto daqui não se pode inferir que a situação actual se irá manter indefinidamente. Pode-se declarar sem erro que essa é a realidade actual mas, do mesmo modo, não podemos fechar todas as portas que o futuro mantém potencialmente abertas. A repetição eterna do presente é um dos grandes ocultos não-ditos de cada época e uma prova da nossa falta de imaginação persistente. <br />
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O cânone musical ocidental estabeleceu-se gradualmente ao longo do séc. XIX, transformou-se e aprofundou-se durante a primeira metade do século XX e sofreu nova transformação na segunda metade do século de forma ainda mais radical no que respeita ao seu lugar na vida cultural dos países da Europa e os seus lugares similares espalhados pelo mundo "ocidental". A tradição da música escrita europeia, com inícios por volta do ano 1000, que até 1900 teve um lugar particular nas sociedades europeias com forte presença da música do seu tempo, de cada tempo, até cerca de 1800 indiferente ao conceito de história e mesmo de obra, tornou-se nas últimas décadas cada vez mais um <i>museu imaginário</i> (Lydia Goehr:1992) no qual cerca de 90% do repertório apresentado nas salas de concertos pertence ao passado, com as suas grandes obras, os seus grande nomes, tornando-se uma <i>arte de interpretação</i> mais presente, mais real, do que uma <i>arte de criação</i>. Esta foi-se reduzindo, gradual e inexoravelmente, até aos cerca de 10% restantes e, em certos casos, ocupa lugares particulares e intérpretes especializados. Não houve, desde 1950 até hoje nenhuma corrente musical que conseguisse inverter esta tendência geral. O espaço da criação, que prossegue, dividido em numerosas e diversas práticas e orientações, defronta no espaço público a força do repertório do passado, a força do jazz, iniciado por volta de 1900 nos EUA e, ainda em maior grau, da música pop-rock surgida nos anos 1960 nos países de língua inglesa. O seu impacto foi brutal na economia das artes musicais e existe elevada criatividade em todas essas práticas musicais. A indústria cultural que a regula, que Adorno tentou diabolizar, não deve fazer-nos negligenciar estes outros aspectos, tão reais e dignos de consideração como a sua existência.<br />
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Até este ponto podemos ir com segurança - pertence ao passado e ao presente, sendo até dispensável a competência específica de um historiador - mas projectar um futuro está para além do nosso alcance, sejam quais forem as nossas convicções.<br />
Em todo o caso de cada vez que alguém compõe um nova obra, esse facto contém em si <i>um mundo</i>, seja qual for o lugar social que as estruturas sociais lhe reservem. São artefactos humanos artísticos dotados de existência e, como tal, obras de arte. Tudo o resto se refere às transformações ocorridas na sua inserção no mundo musical - ele próprio muito diferente hoje - e nas sociedades, igualmente muito diversas. Não interfere nas obras. Interfere na sua recepção e no seu alcance imediato. <br />
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A metáfora inicial sobre generais e batalhas, estranhamente suspensa até este parágrafo final, mostra-nos que apenas <i>depois</i> se sabe quem foram os vencedores e igualmente, que não vale a pena travar nenhuma batalha inútil se não houver nenhuma hipótese de a vencer. A retirada sempre foi uma estratégia militar. Apenas <i>o vivido</i> é, por definição e por si mesmo, merecedor de todos os combates.<br />
Noutros termos, por <i>vivido</i>, considero uma vasta gama de coisas da existência, de aspectos, de modos de existir, que transcendem em absoluto qualquer arte. Considerando toda esta variedade, pode-se considerar talvez ser necessário separar a vida das obras de arte, da vida em si. Tudo contém significado e um valor. Se restringirmos à recepção, tomada no seu sentido mais amplo - os outros, as determinações das várias esferas de actividade, etc - então desloca-se para o exterior, um exterior qualquer, tudo aquilo que tem valor dentro (e não fora) de si. As obras realizadas, o trabalho feito, as relações humanas que fomos capazes de estabelecer durante a vida, uma imensidão das coisas mais diversas, são aspectos absolutamente independentes daquilo que pertence à esfera da recepção, no caso das artes, ou à esfera do reconhecimento amplo por outros, nos outros casos eventualmente menos ilustres. Mas o seu valor é idêntico. Nele, na sua infinita variedade, reside uma parte importante do <i>sentido da vida</i>. A arte não tem nenhum privilégio (Georges Didi-Huberman) deste ponto de vista essencial. <br />
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<i style="-webkit-text-size-adjust: auto; -webkit-text-stroke-width: 0px; caret-color: rgb(0, 0, 0); color: black; font-family: sans-serif; font-size: 12.319999694824219px; font-variant-caps: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; orphans: auto; text-align: left; text-decoration: none; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: auto; word-spacing: 0px;">Goehr, Lydia. The Imaginary Museum of Musical Works: an Essay in the Philosophy of Music</i><span style="background-color: #f8f9fa; color: black; display: inline; float: none; font-family: sans-serif; font-size: 12.319999694824219px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-decoration: none; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;"><span class="Apple-converted-space"> </span>(Oxford, 1992)</span><br />
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António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-224870822367397662017-11-26T03:35:00.002-08:002017-11-26T08:56:07.806-08:00Vários tempos históricos ( alguns dos seus mitos) e o anacronismo essencial.<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;">Se num momento de um mero delírio histórico-literário pudéssemos imaginar que nos ia suceder a todos o mesmo que de facto aconteceu com a famosa Paixão Segundo São Mateus de J. S. Bach, ou seja, ter sido tocada em vida do compositor apenas duas vezes nos anos 1730 sendo a terceira já quase 80 anos após a morte do grande compositor em 1750, no famoso concerto </span><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;">de 1829, </span>dirigido por Mendelssohn com essa obra do semi-divino compositor, então quase esquecido (diz a nota da Wikipedia sobre Mendelssohn), estaríamos a lavrar em vários e enormes erros. </span><br />
<span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><br />Primeiro, a razão de ser de tal atraso da 3ª vez, deve-se ao facto de somente no século XIX se ter constituído a "história da música" tal como a conhecemos hoje, devendo acrescentar-se "ocidental" para manter algum rigor geocultural e, assim sendo, se foi criando o <i>museu imaginário </i>que hoje vigora, com 90 % de repertório histórico dos séc.XVIII e XIX até, grosso modo, à I Guerra Mundial (um autêntico fim de um mundo). Mas a um fim de um mundo sucede sempre (até ver) o começo de um outro. O segundo erro seria pensar que a história se iria repetir nos mesmo termos e, além disso, como se todos tivéssemos atingido, no nosso esforço individual, aquele patamar inalcançável de genialidade, bastando-nos esperar 80 anos após a nossa morte para chegar enfim o reconhecimento póstumo e, quem sabe, eterno. Nada disto irá acontecer nos mesmos termos, repito, apesar de discursos não muito afastados deste delírio serem muitas vezes ouvidos como plausíveis. Na verdade e para já, a parte que nos cabe na absurda comparação não é essa, mas a outra. No séc. XVIII fazia-se a música para aquele dia, aquela celebração, aquele rei, aquele arcebispo. A música de Bach e de muitos outros, sabemos hoje, era maravilhosa, extraordinária, inacreditável. Mas no seu tempo não era ouvida com o pensamento dirigido para o futuro, nem propriamente para a história. A primeira biografia de um compositor a ser escrita e publicada foi-o apenas em 1800 por Johan Nicolaus Forkel sobre justamente J.S. Bach. Mesmo assim só 30 anos mais tarde a </span><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;">monumental</span> Paixão foi repetida em concerto. Convém assinalar deste já: nos últimos anos da sua vida a sua música era então vista como <i>anacrónica</i> e já não fazia parte da vida musical activa. Era o tempo dos seus filhos. Voltarei e este aspecto. Actualmente, como todos sabemos, é repetida, interpretada, todos os anos em muitas partes do mundo. </span></div>
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<span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;">Que conclusão tirar? A de que tudo isto aconteceu num certo tempo e espaço (a Europa) e que o mundo hoje é deveras diferente. A única coisa semelhante - o tal outro lado que nos interessa - é o lado artesanal com o qual eles viviam as suas vidas de artistas e nós vivemos as nossas, se formos lúcidos, de igual modo sem qualquer expectativa de história no seu e no nosso fazer para esta ou aquela circunstância, aquilo que é o nosso trabalho, como o deles era o seu. Morriam bem consigo próprios. Tinham tido vidas ricas, plenas. Mas sem qualquer expectativa histórica. Não fazia parte do seu mundo, do seu modo de ver e existir nele. Como nada se repete, nem as organizações sociais do mundo musical são as mesmas, os milhões de compositores no mundo actual não podem ter nenhuma expectativa que se possa comparar com o exemplo referido. Nem em genialidade, o que é geralmente aceite, nem em nada. Quem poderá imaginar, estando no seu juízo perfeito, que após 80 anos das nossas mortes de repente e no prazo previsto iria acontecer, multiplicado por milhões, aquilo que aconteceu a Bach e a umas poucas dezenas de homens que fizeram a maravilhosa música que nos ocupa o terreno de tal modo se constituiu, nas salas de concertos naquilo que já era então: uma 'common practice'. Nem o mais ingénuo vírus historicista pode imaginar qualquer ponto de semelhança face ao abismo que separa os mundos deles e os nossos. Da música nem se fala por mais que eu possa considerar que, ontem ou hoje, houve ou há igualmente compositores e música maravilhosa nas mais diversas práticas musicais. Isso é apenas o que eu penso - há mais música muito boa - mas a questão não é essa. <br />Os modos de apresentação para nós desviam-se da repetição constante da música do passado para a um novo tipo de apresentação localizada e de âmbito mais restrito, em tudo mais semelhante à do século XVIII do que à dos seguintes. O mundo é de tal modo diferente que nada se pode produzir outra vez, por exemplo, a Revolução Francesa e foi ela que mudou o mundo para o novo caminho que então começava. Ela aconteceu naquele mundo e mudou-o: entre as mudanças ocorreu o começo dos concertos públicos. A primeira sala de concertos construída para tal fim foi a Gewandhaus de Leipzig, nos anos 1830. Hoje há milhares de salas de concertos no mundo e nesta área musical específica o repertório dominante é composto principalmente por música dos séculos XVIII, XIX e um conjunto muito menor de obras de compositores do século XX entre as quais avultam algumas obras de Stravinsky, Sinfonias e Concertos de Shostakovich, as óperas de Alban Berg</span><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"> e, em menor grau, alguns obras dispersas de outros compositores. </span></span></div>
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<span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><br />Outras revoluções </span>poderão acontecer, posso conceder, mesmo com as maiores dúvidas sobre isso, mas serão simplesmente <i>outras</i>. A sociedade não estará nunca condenada a ser uma mera repetição do presente, ideia muito difundida, tanto como todos os mitos que a sustentam. Por muito que a nossa reduzida imaginação nos limite, simplesmente teremos de admitir que o futuro sempre se caracterizou não só não estar escrito, como por vir a ser aquilo que nem sequer podemos imaginar. As previsões dos futurólogos costumam falhar sempre. Os horizontes estão abertos para os vindouros mesmo quando nada parece ser exaltante nos horizontes que hoje vemos. Esses são os que vemos. Mas os que não sabemos como serão, nem podemos ver é que serão os reais, os por-vir, quer sejam apocalípticos - fins do mundo - quer sejam 'admiráveis mundos novos' com humanos e chips super-inteligentes implantados no cérebro. Será isto ainda um humano? Nem isso sabemos. Podemos talvez desconfiar que não. Arte sempre haverá, música sempre haverá. Será é <i>outra</i> e nunca poderá ser mera repetição, nem no seu fazer, nem no seu ser, nem no seu lugar nas sociedades como se irá vendo eventualmente. A arte do passado no seu carácter monumental e patrimonial é perene. Os seus modos de contemplação e consumo serão provavelmente diferentes. Não sabemos. Mas, como escreve Georges Didi.Huberman "a história da arte começa sempre duas vezes", frase algo misteriosa à primeira leitura, mesmo tendo nós presente o caso da obra de Bach referido: começo real em 1730 e (re)começo simbólico 1830, cem anos mais tarde. <br /><br />O que resta afirmar é o mais importante. </span><br />
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<span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;">Tudo o que referi revela a instabilidade do tempo, da arte enquanto tal - e enquanto instituição - na sua relação com o tempo social: esquecida, tornada canónica, novamente esquecida, de novo canónica e assim sucessivamente. Aquilo que não referi reside nas próprias obras como potência <i>anacrónica</i> de ser sempre e não em qualquer instituição legitimadora. Portanto <i>anacrónica</i> no sentido de pertencer, na sua própria essência e potência, a vários tempos, potência de ser passado e futuro, para além do seu próprio tempo no agora. <br />O seu desígnio ultrapassa as determinações sociais, elas sim, fixadas em tempos mais fáceis de identificar. As histórias que existem, da música, das artes, da literatura, etc., traduzem os critérios que em cada momento histórico são os prevalecentes e determinantes para estabelecer os cânones e as exclusões. No entanto, estes critérios são mais voláteis e mais "históricos" do que as artes propriamente ditas. </span><br />
<span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><br />Cada obra contém em si um potencial de eternidade. </span><br />
<span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><br />Nesse sentido rompe com os elos que a ligam ao seu tempo enquanto ao mesmo tempo os manifesta. Esses elos manifestam-se nas obras, tanto quanto aquilo que lhes dá o potencial de eternidade. A todas elas? Não o creio. Mas, de modo idêntico, não podemos saber com nenhuma clareza quais são aquelas nas quais se manifesta o magnífico anacronismo-de-ser-arte, que lhes permitirá a eternidade enquanto arte. Os artistas fazem </span><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , ".sfnstext-regular" , sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; text-align: left; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: pre-wrap; word-spacing: 0px;">o seu trabalho</span>, como fizeram no passado. Continuarão a fazê-lo no futuro. Nesse acto-de-fazer estão, por assim dizer, fora do tempo sendo essa uma dimensão individual. Face às dificuldades do tempo presente, aos artistas cabe-lhes acima de tudo a tarefa de levar a cabo, de cada vez, o mergulho no essencial de cada arte. <br />Tudo o resto os transcende, nos transcende e, na realidade, não interessa muito. Não sabemos nem nunca saberemos. Fizemos o nosso trabalho e, sendo humanos, somos mortais, ao contrário do que a arte poderá ser. <br /><br />António Pinho Vargas, Novembro 2017.</span></div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-38179679892239050792017-11-13T05:25:00.001-08:002017-11-13T05:27:24.224-08:00Sobre o ensino da Composição<div style="text-align: justify;">
Ser professor de composição, como de qualquer outra coisa, é o exercício de uma função, à partida dotada de uma certa forma de autoridade, destinada a ser verificada de cada vez na sua prática semanal, sendo a seguinte a mais importante das suas possíveis verificações de eficácia, a saber, o facto de estar destinada a deixar de ser autoridade, na medida em que, ao produzir um outro autónomo, cessa esse atributo provisório. Contribuindo para a auto-criação de um <i>outro</i> autónomo e independente, livre, capaz de fazer por si, resulta na anulação daquela autoridade provisória. Assenta numa história de vida, num conjunto de saberes antes adquiridos, passíveis de discussão e, nesse sentido, tanto mais correctamente compreendidos quanto mais são vistos e exercidos como <i>provisórios</i>, delimitados no tempo e atentos ao devir das coisas no mundo. Estas fornecem, por si só, uma aprendizagem. Cada um dos “outros", momentaneamente no lugar de alunos, contém em si um potencial. Favorecer o desenvolvimento desse potencial é o núcleo fundamental de todo o ensino. Pode passar certamente por uma transmissão de alguns aspectos designados por 'saberes', mas enquanto exercício de uma arte, destinam-se a ser ultrapassados e/ou usados de outro modo pelos alunos provisórios. Será esse o melhor resultado possível. Haverá uma zona de mistério que reside na própria noção de composição enquanto arte que é intransmissível. Mas há dois modelos opostos face a esta realidade. Um que pressupõe erradamente que o professor é detentor de um saber que se deve erigir em <i>modelo</i> a imitar. Este modelo falha sempre, uma vez que imitar só pode ser eficaz numa primeira fase. Quanto mais depressa acabar tal fase melhor. Manifesta-se de um outro modo pela imitação de partituras estudadas, imitação de modos de escrita. As partituras que geralmente servem para esta aprendizagem específica, não expõem senão uma parte daquilo que os compositores ilustres ou menos ilustres fizeram. O que uma partitura mostra é certamente a condição de possibilidade da música: mostra a sua notação final. A análise pode, se dirigida para aspectos específicos do seu conteúdo, ser muito útil. O que nunca revela é a parte mais difícil de penetrar, de descobrir, de revelar, ou seja, a parte sobre a qual Boulez escrevia aquilo que aqui relembro: "no início de uma análise temos a sensação de que vamos descobrindo elementos, técnicas, maneiras e a obra parece desvendar-se perante nós. Quanto mais prosseguimos na análise mais claramente se inverte essa impressão e mais forte surge o lado impenetrável, irredutível, daquela criação musical". No entanto, nesse processo, se não se obtém a resposta procurada, pelo caminho da busca, outras respostas foram sendo dadas e aí reside o essencial da aprendizagem que cada um pode retirar. De certo modo, a responsabilidade da descoberta de elementos muito úteis para cada um, está depositada naquele que analisa, que estuda, mais do que na obra ela própria. A obra apresenta-se no seus códigos de notação. Eles põem em evidência alguns aspectos. Mas de modo nenhum mostram o seu segredo intrínseco nem as determinações que operaram nos momentos da sua criação, com excepção dos casos de composições que usam algoritmos automáticos. <br />
Em qualquer caso, todo o ensino quer do professor, quer das partituras estudadas, destina-se a criar um criador e não a criar um professor. Se irá manter as duas actividades - o que é provável - isso deve-se mais ao momento actual dessa prática musical e à sua relação complexa com o mundo musical real. A maior parte dos compositores do século XX foram professores. As excepções explicam-se de outro modo: foram maestros, directores de instituições, de festivais, etc., ou tudo isto acumulado numa mesma pessoa, sendo novamente Pierre Boulez o caso mais paradigmático. As poucas excepções confirmam a regra: a maior parte dos que conhecemos foram professores. </div>
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António Pinho Vargas, Outubro de 2017.<br />
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António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-27713060051956098072017-09-14T09:07:00.001-07:002017-09-15T08:56:24.964-07:00Em torno das designações estilísticas.<div style="text-align: justify;">
Diz o texto que anuncia o concerto Inaugural da Orquestra Metropolitana desta temporada:</div>
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"O percurso criativo de Magnus Lindberg é frequentemente demarcado numa linha de evolução que se estende deste a segunda geração das vanguardas modernistas do pós-guerra a uma matriz neoclássica com raízes na primeira metade do século XX. Pelo meio, assinala-se o período em que assimilou as texturas tímbricas e harmónicas da música espectral. Mas o compositor finlandês, nascido em 1958, não se reconhece na simplificação desta leitura: […] a «pergunta original» pode permanecer sempre a mesma." Este texto do programa do Concerto da Metropolitana, dia 17 de Setembro de 2017, com Pavel Gomziakov, solista no Concerto nº 2 para Violoncelo, dir. Pedro Amaral chamou a minha atenção. Salvo qual comparação totalmente descabida (Lindberg faz parte da elite dos 'world-class composers' e esse não é o meu caso) foi sobretudo a descrição do seu percurso que me suscitou interesse. </div>
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Porquê? Desde o meu Requiem de 2012 até aos 2 Concertos para Violino e para Viola (2016) foi-se acentuando um caminho, já antes manifesto em Six Portraits of Pain - na verdade também um concerto para Violoncelo - por exemplo, em direcção àquilo que sobre Lindberg é dito: "uma matriz neo-clássica". Neo-clássico foi muito tempo um quase-insulto nos nossos meios pós-50
(pós-60 em Portugal). Pelos vistos deixou de ser e ainda bem. Um insulto
nunca é inteligente, então isso é positivo. Abre mundo e não o fecha. Outra designação que poderia ser usada, seria viragem pós-moderna, dado o facto de haver, desde 1980, vários outros compositores, mesmo da segunda geração das vanguardas do pós-guerra, que tiveram idênticas viragens (por exmplo Ligeti, Penderecki, Gorecki, para não falar de Andriessen com De Staad em 1977). Tanto um termo como o outro marcam momentos de corte com modernismos e, desse ponto de vista, foram igualmente usados como insulto por modernos (e seus representantes) renitentes à mudança, um grande, um enorme paradoxo em si mesmo. A pequena e ilustre lista mostra que nem todos o foram. <br /><br />Em todo caso aquilo que mais me diz respeito é menos o neo-classicismo de <i>per si</i>, mas a necessidade de reconstituir, no meu trabalho, uma <i>outra ideia</i> da história da música do século XX, e nesse sentido uma superação das anteriores narrativas e das suas categorias definidoras. Em última análise conhecer o passado a partir da própria música feita, composta, existente e muito menos a partir das anteriores determinações que presidiram à distribuição dos compositores pelos diferentes grupos estilísticos. Esta distribuição foi feita e impôs-se nos discursos correntes. Nesse sentido faz parte a realidade, esse facto enquanto tal. No entanto entre o <i>real</i> da descrição antiga e o <i>real</i> das obras compostas encontro a meu ver, uma diferença abissal. Como cada um de nós decide por si como vê o mundo, o campo e a música ela própria, há longos anos que fui constituindo a minha radical dissidência face às narrativas dominantes. Este facto, só por si, alimenta, quer o que faço, quer a solidão do meu olhar, perante aquilo que é dito e repetido em relação ao passado. <br />
<br />
Nós, vamos pensando. Vamos ouvindo a música dos outros que conhecemos. Vamos vendo como é descrito e recebido o nosso trabalho. Lindberg recusa a simplificação, como muitos outros o fizeram muitas vezes no passado e ainda hoje. O vivido é sempre mais complexo (e rico) do que as 3 palavras-estilos-técnicas que surgem no texto. Daí o facto de Lindberg não se reconhecer na descrição e sublinhar-se no texto "a pergunta original" como o factor unificador que sempre existe. As duas primeiras fases de Lindberg, aceitáveis no que respeita à inserção em grupos, embora não determinantes em relação a muitos aspectos da sua música, não se aplicam no meu caso, da mesma forma nem de modo nenhum. O meu percurso foi complexo (as fases não são muito nítidas, nem estáveis) muito inquieto e afastado dos centros excepto quando alguma obra viajou (por isso, como que um percurso 'imaginário' ou apenas local). Devemos ser lúcidos acerca disso, mesmo sabendo que as <i>obras feitas</i> existem do mesmo modo para todos, independentemente do seu destino e do seu alcance geocultural, existem tal como são, em absoluta indiferença em relação a este outro aspecto. </div>
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Identifico-me com a frase sobre "a pergunta original". É verdade, permanece sempre, sendo as várias respostas que variam nas nossas vidas individuais. Dito isto, quero sublinhar este lance discursivo totalmente novo neste campo. Penso, não obstante, que essa música do antigo insulto, a neoclássica de 3 ou 4 compositores - a minha pequena escolha, alargada historicamente para trás (incluo o Schoenberg das 5 Peças para Orquestra e Mahler, ou seja “atonalidade livre” no primeiro e “tonalidade livre” no segundo) parece-me constituir uma constelação mais rica de potencial (para mim) do que grande parte da posterior, mau grado a qualidade que esta possa ter (e tem). Cada um de nós escolhe o seu caminho e traça a sua própria genealogia. Neste sentido quero precisar dois pontos. </div>
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Schoenberg e a passagem da sua fase da atonalidade livre para a fase seguinte - dodecafonismo serial - foi vista e descrita como "uma necessidade histórica". A raiz hegeliana e marxista desta perspectiva salta à evidência. Na minha opinião, já expressa no texto para o CD de Madalena Soveral com a sua Obra Completa para Piano, esta visão é discutível. Tratou-se certamente de uma opção do compositor sob vários tipos de determinações que nesse texto descrevo parcialmente. Mas essa opção, legítima como é óbvio, foi interpretada, transformada, lida, por Adorno e os seus seguidores, como obedecendo à referida necessidade, ou seja, uma raiz inevitável da seta do tempo histórico. Sabemos as consequências desse historicismo na esfera política que, aliás, emprestou muitos dos seus conceitos aos discursos estéticos dessa fase. Na dialéctica entre raízes e opções, inclino-me para a segunda e julgo que os discursos posteriores - sobretudo a 1945 - interpretaram a sua música esplêndida da fase atonal livre à luz da evolução posterior. Não consideraram em nenhum momento que poderia não ter sido desse modo. Outros compositores modernos dessa fase histórica e seguintes, não seguiram essa passagem para o serialismo então dodecafónico. O modernismo, tal como o pós-modernismo e o neo-classicismo foram todos sempre e todos eles designações que ocultaram a extrema diversidade interna de cada "estilo" assim designado. Nunca foram "estilos" homogéneos ou blocos sem divisões internas entre as várias práticas que os olhares posteriores lhes atribuíram. Este é dos principais problemas dessas narrativas. Cada um desses "estilos" - usemos os termos - teve a sua razão de ser, em cada momento, sendo as diferenças internas resultado das opções individuais dos homens que compuseram nesses diversos tempos e foram agrupados sob esse termo simplificador. Vejo assim a sua fase atonal como carregando um enorme potencial de futuro, muito para além daquela que foi a sua opção particular. Do mesmo modo, a maravilhosa música de Mahler, recebida com reservas no seu tempo, mesmo se admitindo a enorme estatura do compositor, radica no facto do seu carácter pós-moderno <i>avant la lettre</i> que caracteriza a sua música. Justamente o aspecto que levantava perplexidades aos vienenses, ou seja, a junção <i>numa mesma obra</i>, sublinho, de elementos da <i>grande tradição sinfónica</i>, com elementos de <i>música popular</i> daquela região da Europa, alvo da suspeita que era própria dos melómanos de Viena - suspeição que prosseguiu no tempo até hoje sob outras e variadas formas - torna Mahler uma enorme inspiração para este tempo. </div>
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Deste modo tracei ao longo do tempo uma linha apenas para mim próprio e nem sequer a linha foi estável. A minha <i>linha</i> com 40 ou 50 anos era diversa da que foi sobrando hoje, cada vez mais pequena, mais nuclear. Tal como os outros mudei. As categorias classificativas dos discursos canónicos não terão grande problema comigo. Conto pouco - e julgo que contamos pouco, em geral. Quer isto dizer uma aceitação? Não me parece. É mais uma constatação de facto na qual embatem todos os argumentos possíveis. O "mundo musical" desta prática, diga isto o que disser, não pode mudar sob pena de se dissolver. </div>
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António Pinho Vargas.</div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-22071032788941232102017-09-09T06:41:00.000-07:002017-09-09T11:46:00.237-07:00A busca do ponto nuclear da criação musical.<div style="text-align: justify;">
Aquilo que, a meu ver, define hoje uma obra musical, um peça, reside fundamentalmente no seu discurso e não no seu material musical específico. Nem sempre se pôde afirmar este aspecto deste modo. Corresponde ao <i>zeitgeist</i> actual. Não é portanto em torno das dicotomias, nem nas querelas ligadas às designações historicamente atribuídas aos diferentes tipos de material (tonalidade vs atonalidade, modalidade vs cromatismo, ritmo pulsado ou estatismo de planos sonoros, forma contrastantes ou sequências não contrastantes, sendo a melodia infinita, por exemplo, uma designação histórica desse mito, etc. O discurso e a narrativa musical tem modos próprios de se lançar no ar. Não são aquelas determinações - que aliás podem coexistir não apenas no conjunto de obras de um compositor mesmo numa única obra, como Leonard B. Meyer premonitoriamente escreveu em 1963, como podendo vir a ser uma característica dominante no futuro - que atestam a eficácia de um discurso musical. Na verdade é o discurso, a sucessão de eventos musicais no tempo que lhe atribui, ou não, o seu sentido último. Em qualquer das orientações que estão ligadas às mais diversas correntes actuais é possível encontrar obras dotadas de um discurso claro e uma articulação formal clara. Prefiro dizer deste modo do que usar os termos antes usados preferencialmente, como lógica, coerência, estrutura, etc., uma vez que estes termos, apesar da sua importância, estão por assim dizer gastos pelo uso excessivo durante décadas. Tal como, aliás, prefiro falar de invenção, imaginação e criatividade. Na realidade não se referem apenas a entidades determinadas, por exemplo, uma estrutura cromática ou tonal, mas podem ser usadas em cada orientação, como “descrição”, ou “actualização”, como se diz na filosofia, do seu modo de ser interno, passível de análise na partitura. Apesar da sua importância, a análise fora-do-tempo, hors-temps, como dizia Xenakis, não é suficiente para desvendar aquilo que é a determinação máxima da música, ou seja, a maneira como os vários elementos constitutivos de uma obra se desenrolam no tempo, como se produzem as ligações entre eles e a sua capacidade de se constituirem como discurso significante. </div>
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Nenhum tipo de material tem o exclusivo deste atributo e, inversamente, é possível encontrá-lo em obras desta ou daquela “estética”. Nesse sentido alguns dos conceitos tardios de Boulez, como o de <i>sinal</i>, proposto no artigo “Le système et l'idée”, incluído no livro <i>Jalons</i> de 1989, apontam de maneira nítida para a audição, para a percepção que o ouvinte capta de momentos da obra, <i>sinal</i> como algo que serve para orientar a audição de momentos particulares de uma obra e que o conduzem durante o seu desenrolar; podem ser usados nos mais diversos tipos de orientações estéticas ou técnicas. Do mesmo modo, nenhuma dessas orientações, nenhum tipo de material, pode, por si só, garantir antecipadamente que uma obra vai ser conseguida. É no próprio fazer dela que isso se verifica ou não. Essa é a nossa contingência eterna: tanto pode acontecer como não. E, a dureza deve ser afirmada: não há nenhum discurso teórico ou poético possível, capaz de legitimar uma ausência de discurso musical propriamente dito. Quando isso se verifica teremos de o admitir e, na realidade, penso que cada um de nós sabe muito bem, no momento do primeiro concerto, se a obra conseguiu existir ou não, se disse o que tinha a dizer ou se ficou àquem desse objectivo. <br />
Esta mesma contingência verifica-se em todas as artes e, desse modo, cada artista tende a ser solitário no seu fazer e nas suas convicções. Faz de uma certa maneira e vive com isso. </div>
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<br />
No entanto a noção de discurso musical pode considerar-se mesmo nas obras mais lisas, imóveis, estáticas, aparentemente “sem discurso”. Nestes casos podem dar-se ao ouvinte enquanto objecto quase-mágico, constituído pela permanência no tempo de uma superfície sonora aparentemente imóvel, coisa que o desenrolar temporal obrigatoriamente nega e contradiz. Passa a ser a afirmação-da-negação do discurso clássico - no sentido lato - e, desse modo, oferece-se à audição enquanto permanência que propõe um modo de audição próximo de hipnótico. Geralmente trata-se de uma aparência: na verdade há micro-eventos, no interior desse tipo de superfícies. O “mesmo” prosseguindo no tempo, 5 segundos, 1 minuto, ou 5 minutos depois, já não é igual a si próprio, torna-se <i>outro</i>, dado o facto de ter ocorrido temporalmente mais tarde e, como tal, existe já sobre a memória de si próprio momentos antes (o livro de Husserl <i>Lições para uma fenomenologia da consciência ínterna do tempo</i> teoriza justamente essa acumulação de realidade e memória do <i>mesmo</i>, antes passado, dando como exemplo a sucessão melódica). A música é uma arte do tempo, a essência da música e mesmo a sua condição de possibilidade é o tempo. Sem tempo, esse tempo peculiar de som que se propaga no espaço, não há música (nem vida). Não é deste modo estático que trabalho mas reconheço-o como uma possibilidade. Alguns compositores do passado mais recente e ainda do presente conseguem fazê-lo de forma interessante. Dependerá da qualidade dos materiais e do trabalho sobre eles e, nestes casos, pode ser um trabalho quase inaudível mas é tornado audível na sua sequência temporal alargada. De outro modo, um material complexo quando apresentado e sobreposto a si próprio de forma transformada e persistente, pode igualmente constituir-se como imobilidade aparente. A percepção, não conseguindo descodificar os elementos, torna-os idênticos por acumulação. Aqui reside a principal questão de algumas correntes, mas, deve-se considerar necessariamente que há obras bem conseguidas compostas nesses pressupostos. Isso deriva do próprio fazer das obras concretas, específicas, esta e não aquela, e é sempre nelas, em cada uma, que se deposita um sentido, uma razão de ser. Não são portanto os pressupostos técnicos nem as opções desta ou daquela corrente que determinam os resultados de uma obra. Ela é um microcosmos, “um mundo” que se conseguiu erguer. <br />
<br />
A maior parte das querelas do mundo da criação musical verificam-se em torno das várias crenças e convicções. Elas estabeleceram-se historicamente em diversos momentos. É portanto sobre estas opções <i>a priori</i>, que se debatem, por vezes furiosamente, as diversas posições. Sendo, por um lado, natural e compreensível, dadas as regras que regulam os campos culturais, parecem-me em grande parte inúteis. Têm como objecto em geral os pressupostos da linguagem e o tipo de materiais - tornados deste modo autênticas divisões do mundo - quando na verdade, são as obras elas próprias, compostas de um ou outro modo, que irão existir enquanto tal e será nelas que reside o seu ser-arte musical. A energia que se consumiu em torno dessas questões, especialmente no passado recente, seria melhor aplicada no fazer-da-obra e no questionar incessante que é inerente ao acto de compor. Nenhuma obra existe sem que um pensamento se tenha empenhado e aplicado no seu fazer. Se não há pensamento musical e pensamento no sentido mais vasto dificilmente haverá obra. Há uma diferença entre pensamento e pre-concepções. Uma ideia de uma obra constitui-se geralmente de forma vaga, partindo dos mais diversos pretextos. No seu fazer a ideia concretiza-se em objectos musicais reais e sobre eles dirige-se a reflexão, a interrogação, o questionamento. É esse processo complexo que constituiu a composição, que a realiza, ou a actualiza-em-obra. Não há como fugir deste processo: é o ponto crucial do acto criativo e nunca é possível contorná-lo, seja de que forma for. Neste momento deste pequeno texto não é necessário dizer que isso se verifica sempre, seja qual for a corrente em questão e sejam quais forem os pressupostos ou as convicções iniciais. O resto - decisivo - é a contingência do compor, o risco inerente ao lançar uma coisa no mundo. É este o ponto nuclear da música, da arte e das artes. Na inevitável contingência, procede-se à busca incessante desse núcleo. </div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-33607870536016198552017-09-03T04:44:00.000-07:002017-09-09T11:44:10.228-07:00Considerações sobre infâmias, resgates e infinitos. <div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> Considerações sobre infâmias, resgates e infinitos. </span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">1. Na história dos escritos e ditos sobre música durante todo século XX e até hoje há numerosos escritos infames. Adorno vem à cabeça das várias infâmias publicadas. Philippe Lacoue-Labarthe classifica de <i>infames</i> os seus escritos sobre jazz (dos anos 30 e 40) no livro que reune os seus escritos sobre música. Schoenberg - aquele que era o seu modelo predilecto considerando especialmente a sua fase da atonalidade livre - ele próprio, comentou a forma como Adorno escreveu sobre Stravinsky em termos algo semlhantes: "claro que eu não gosto dele (Stravinsky) mas em todo o caso não se pode escrever daquela maneira [como Adorno o fez]. Na verdade nunca gostei dele". (cit. no livro de Stuckenschmidt, Schoenberg and his Music). </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Apenas sobre compositores alemães Adorno escreve sem o espectro da infâmia por perto. Nos livros tardios sobre Mahler e Berg escreve até de forma produtiva ainda hoje na minha opinião. Melhor dito, seria produtiva se o seu pensamento anterior não se tivesse de certa forma sedimentado no espírito dos artistas - mesmo que nunca o tenham lido - ao contrário do seu destino pouco feliz nas universidades (uma ideia justa de Albrecht Wellmer). Na verdade Adorno, em especial no livro sobre Mahler, coloca em evidencia uma outra perspectiva, diversa da sua anterior fixação no conceito de material (avançado em Schonberg e regressivo em Stravinsky) a favor do que qualifica como dinamismo articulado, fluxos puros e alguns outros conceitos. </span></span><br />
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Nesta passagem essa nova posição é clara: "Mahler activa do interior a tonalidade por pura necessidade de expressão, ao ponto que ela [a tonalidade] abraça, fala uma vez mais como se ela fosse imediata […] fazendo-a falar, Mahler provoca na linguagem de segunda natureza uma reversão qualitativa...". Noutro ponto introduz o conceito de carácteres [caractères]: "Mahler enriqueceu a composição com uma dimensão que se viu recalcada como ele próprio o foi, e que aparece hoje cada vez mais como a própria condição [la condition même] da possibilidade de toda a música. É a dimensão dos carácteres, cuja singularidade desaparece </span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">tanto na unidade indiferenciada da linguagem integral actual. […] Esta caracterização drástica [<i>uma transição, um epílogo, um abgesang</i>] graças ao qual cada detalhe, em virtude da função e do sentido que tem no seio do todo, torna-se aquilo que é [<i>devient ce qu'il est</i>], permite-lhe tornar-se <i>mais </i>do que aquilo que é. Abre-se assim a uma totalidade que se cristaliza </span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">ela própria a partir de si, e deixa de ser um princípio imposto de fora aos carácteres". </span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Claro que Adorno se exprime de forma circular e, muitas vezes, abstrusa, dificil de descortinar (tal como a do seu mestre Hegel). No entanto temos de ler estas passagens no quadro da sua prosa complexa e no quadro do seu tempo particular. A seguinte resume talvez melhor ainda a sua posição neste livro de 1960: "o movimento do todo, para se impor, deve relativizar o particular; mas não é necessário que os detalhes se dobrem à sua vontade de maneira demasiado conciliante, se eles não querem perder a caracterização que só os qualifica na sua relação com o todo. A façanha [l'exploit] mahleriana é ter sabido dominar [maîtriser] esta aporia". </span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br />É uma evidência que Adorno não poderia, julgo, abandonar completamente a sua concepção do material musical, o que explica o uso termo "aporia" aqui empregue. As suas ideias tinham sido expressas, desde sempre, de modo nem sempre claro e muitas vezes contraditório. Mas a música de Mahler obriga-o, nesta fase da sua vida (morreu em 1969), a reinventar os seus conceitos antigos, a acrescentar-lhes novos, de modo a declarar "a façanha de Mahler" juntamente com uma nova interpretação do que antes tinha sido apenas qualificado de regressivo, em suma, a tonalidade. Para Adorno, através dos "carácteres" atrás referidos, Mahler consegue usar a tonalidade de um modo particular que tal lance adorniano expõe: "a estrutura de conjunto permanece sempre aparente, mas em todo o lado [partout] infiltram-se as astúcias, as proporções harmónicas como as das sonoridades maiores e menores, invertem-se em relação à primeira exposição do tema [no lied <i>Der Schildwache Nachtlied</i>] como se este fosse abandonado aos caprichos da improvisação. […] Mas no seio desta identidade ao mesmo tempo vaga e pregnante, o conteúdo musical concreto, a sucessão dos intervalos sobretudo, permanece variável. […] os conjuntos mais vastos encontram-se retomados com esta vaga da qual a memória musical faz, ela própria, muitas vezes a experiência. É isto o que permite dar-lhes uma nova <i>nuance</i>, uma nova luminosidade, um novo carácter enfim. […] Uma tal largueza [largesse] no tratamento do material... legitima tecnicamente a extensão das sinfonias épicas de Mahler". [131, 132] </span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Deste modo uma matéria sonora oferece "<i>le bonheur de l'art s'irradie dans l'apparition sensible</i>". [Teoria Estética, 188]. Adorno revela-se nestas passagens um <i>outro</i> pensador, menos conhecido, menos lido e, sobretudo, menos citado. </span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br />As vanguardas, tal como os contemporâneos de Mahler, olhavam com desconfiança a sua música, antes da extraordinária Sinfonia de Berio de 1968 a ter, de alguma maneira, legitimado no interior do restrito sub-campo contemporâneo. De certo modo, depois do livro escrito na prosa no <i>fio da navalha</i> característica de Adorno, a Sinfonia de Berio constituiu o segundo capítulo que permitiu um outro olhar. Um resgate que então foi necessário, de tal modo que, hoje, até nem somos capazes de o imaginar, de tal modo absurda nos parece ter sido essa desconfiança. Creio, no entanto, que o papel maior coube aos maestros como Bruno Walter, Willem Mengelberg, Leonard Bernstein, entre outros, que sempre lhe defenderam a música apresentando-a em concertos: esse é um momento de verdade sem o qual, nenhum livro poderia bastar. </span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">2. Shostakovich foi talvez o compositor vítima dos maiores processos infames de duas ordens diversas. Por um lado, na sua própria vida na União Soviética, com os momentos mais difíceis da infâmia opressiva em 1936 e em 1946-7 e, por outro lado, na sua recepção pelas vanguardas europeias após 1950. Os momentos no interior da União Soviética estão bem documentados e, de certo modo, são divulgados com pouca reflexão associada em torno de alguns aspectos que configuraram uma mitologia discursiva com base naquilo que em francês se diz "anecdotes" - palavra com um sentido muito diferente da sua tradução à letra: um conjunto de histórias exemplares que existem do mesmo modo sobre outros compositores, como é o caso de Beethoven, por exemplo. O outro lado da infâmia é muito menos considerado e mesmo conhecido. Richard Taruskin no seu artigo "When Serious Music Mattered" publicado no livro "On Russian Music" dá-nos a perspectiva mais profunda que conheço deste segundo aspecto. Na realidade com a excepção de um conjunto de músicos ocidentais, em especial, maestros, que, desde o início tocaram e defenderam a sua música, todo um outro enorme conjunto de compositores e críticos ocidentais se manifestou muitas vezes e de várias formas infames. Uma dessas formas era a pura e simples não-consideração da sua existência. A questão é simples: de acordo com a ideologia das vanguardas musicais, qualquer compositor suspeito de neo-classicismo, era imediatamente relegado para o baú das antiguidades inúteis. A sua música foi objecto de infâmias sucessivas dessa ordem e continua a ser, enquanto, ao mesmo tempo, no cânone do repertório - ou seja, o as obras que mais vezes estão presentes nas salas de concertos do mundo, muito diverso do cânone do ensino da composição ou dos festivais de música contemporânea, amplamente subsidiários da ideologia de Darmstadt pela via da autoridade musical e discursiva de Pierre Boulez, o homem que melhor transportou, defendeu e <i>instituicionalizou</i> aquela ideologia (ver Georgina Born,</span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> (1995)</span></span> <i>Rationalizing culture: IRCAM, Boulez and the institutionalization of the avant-garde</i>, University of California Press).</span></span><br />
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Distingo a ideologia hegemónica desse grupo de homens, das obras que efectivamente foram compostas sob os seus princípios; caso contrário, estaria a aplicar a mesma <i>redução </i>ao estilo, a mesma <i>redução</i> à ideia de material musical (derivada de Adorno) e à ideia de futuro que esse grupo transportava. Essa <i>redução simplificadora</i> é muito difícil de contrariar dado ter-se tornado uma espécie de <i>segunda natureza</i> na forma de ouvir música (e escrever sobre música). É necessário ultrapassar essa dicotomia criada por eles próprios para poder considerar a sua própria música e resgatar as <i>obras-em-si</i> das formas de poder que se conseguiram expandir historicamente num dado período.</span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Devo acrescentar que conhecer a música de Shostakovich e saber aquilo que sobre ela era dito e escrito nessas décadas é das coisas que mais me atormentaram nos últimos 20 anos. Tive de <i>reconquistar</i> para mim próprio a música de Shostakovich e, talvez em menor grau, a de Britten - igualmente proscrito nesses meios nos países continentais da Europa - e esse processo não foi sem problemas nem tensões. Tratava-se simplesmente de ouvir as obras condenadas <i>à priori</i>. Um cânone cultural constitui-se por inclusões e exclusões, como é geralmente aceite. Uma vez triunfante, torna-se "uma verdade" até se conseguir desmontar uma série de aspectos: os seus pressupostos de base, a sua filosofia da história inerente e a própria vertente institucional de vários aspectos que se lhe foram associando. Nesse sentido, considerando aquilo que me era dito - julgo ter sido sempre um bom ouvinte e um leitor compulsivo - e, portanto também aquilo que fui lendo sobre os vários assuntos que esta matéria abrange, o facto é que constituir uma <i>dissidência</i>, uma </span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><i>outra</i> </span></span>visão do que é o mundo musical e do que é a própria composição, se não mesmo a música, foi um longo processo e julgo que será sempre. Uma das suas vertentes está perto da lentidão do processo de individuação de cada um. </span></span><br />
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Acrescento uma "petite histoire" (para continuar na língua principal desse argumentário). Há cerca de 20 anos comprei os dois livros dos Prelúdios e Fugas de Shostakovich (1951). Ao meu lado estava um antigo professor meu, então já colega<span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;"> (homem que prezo ainda apesar do "vasto mundo" que nos divide; é importante não confundir estes planos). Quando viu o que estava a comprar ergueu-se um pouco mais direito e disse-me, firme: </span></span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">"Ó homem, você enlouqueceu?" Respondi-lhe com grande banalidade: "olhe que é uma maravilha..." e coisas desse tipo completamente inútil face à fixidez do preconceito. </span></span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">O que está condensado naquele breve momento representa várias coisas, a saber, o antigo cânone daquela área, a sua enorme intolerância face a qualquer <i>diferente</i> - uma "verdade" não admite contradição - e a minha dissidência ainda em processo gradual de afirmação. Nada é fácil na criação artística e nos seus momentos de ruptura. <br /><br />O resgate da música de Shostakovich, depois de Mahler, talvez o compositor com mais Sinfonias tocadas pelas orquestras do mundo (este é um facto que, por si só, permite avaliar o destino dos vários legados, num dado momento, este em que escrevo; à parte isso não assegura, nem prova mais do que </span></span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">apenas </span></span></span>isso mesmo), o resgate, dizia, teve um agente principal: a sua própria música, a qualidade e a força da própria música. As infâmias, </span></span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">tal como as hegemonias,</span></span></span> têm um certo período de validade. Operam no todo social e variam com ele. Passado um prazo, a música expõe-se a si própria com os seus próprios meios e, por vezes, consegue derrubar todas as infâmias anteriores. </span></span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;"><br /></span></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; float: none; font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: -0.12px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">3. </span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Penderecki diz numa entrevista que existe no Youtube, duas coisas com muito interesse. A primeira diz respeito às suas relações com Lutoslawski e Gorecki. Afirma: "eramos amigos claro, mas raramente nos encontrávamos. Na realidade, como muitos disseram antes, ser compositor é fundamentalmente estar só, viver uma solidão". Verdadeiro. Em segundo lugar, a propósito da sua segunda fase como compositor refere a importância que tinha tido para ele o facto de ter assistido em Berlim a muitos concertos dirigidos por Karajan com música de Bruckner em Berlim numa fase em que lá ensinou. Deste modo podemos inferir que, mesmo sem atingir o grau de crise como foi o caso de Ligeti após Le Grand Macabre - quatro anos sem concluir nenhuma obra - de várias maneiras e com vários compositores se verificou um corte, uma nova atitude neste período histórico. As antigas convicções deram lugar a novas interrogações e a novas formas de conceber a música e o acto de compor. Alguns falaram e escreveram muito sobre isso. Outros nem tanto. </span></span><br />
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">O essencial reside no tempo. Decretar, seja em que momento for, "um fim da história", um ponto de chegada a partir do qual o processo histórico teria terminado, na política, na economia e nas artes e em tudo o resto, é um erro tremendo e muitas vezes repetido ao longo da histórias das várias artes). Se o tempo não pára e a vida prossegue sob novas determinações, seria muito estranho que uma arte se congelasse por auto-mutilação de futuros possíveis, numa espécie de contradição em relação à própria essência da arte e da vida. Na sua solidão irredutível cada um procura o seu futuro enquanto pode e vive. Traça a sua genealogia, a suas relações de cumplicidade com outros e cria-se a si mesmo quando tem sorte. Fá-lo sempre na dúvida que resulta do facto elementar de o futuro não estar escrito em lado nenhum e ser apenas o tempo e o seu desenrolar, vivido por cada um à sua maneira - a solidão referida - que fornece respostas, mudanças, crises e fases (ou não fornece). Apenas a morte põe um fim efectivo a alguma coisa dos humanos, na sua subjectividade individual irredutível. Mesmo hegemonias provisórias, com a grande força social de estratificação, de imobilismo, de rotina adquirida, têm de ceder ao real, à diferença, mais tarde ou mais cedo. </span></span><br />
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">4. </span></span><br />
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Não digo nem escrevo nada sobre a minha música. Porquê? Porque estou (finalmente!) persuadido que não iria ter nenhuma utilidade. A música é uma coisa, um artefacto humano particular, chamado obra de arte, dotado talvez de infinito intrínseco. Não estou completamente certo disso embora possa parecer evidente, em muitos casos do passado remoto ou menos remoto. </span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br />Uma vez lançada no mundo nada do que (se) possa dizer ou escrever altera seja o que for em relação ao que cada obra <i>é</i>, especialmente se for o próprio a dizê-lo. Afirmada esta diferença irredutível e propriamente ontológica (o ser da coisa) entre a obra e qualquer discurso sobre ela, não julgo necessário </span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">acrescentar nada</span></span>, depois do momento inicial que muitas vezes é também o momento final, como sabemos. Nenhuma das determinações de carácter sociológico sobre o lugar que ela ocupa no meu país, sobre o lugar que ela ocupa no mundo - em suma idêntico ao dos meus antecessores com pequenas variantes passíveis de compreensão histórica específica em cada caso - nada de tudo isso se altera se eu - o compositor solitário como foi dito por Penderecki - disser ou não disser. Aliás já disse e já escrevi. </span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Dela, dessa música, a que me é mais cara - nem toda me é cara da mesma maneira, </span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">como é óbvio</span></span> - existe em gravações nas plataformas digitais. Feito esse esforço (grande, persistente) tudo o resto me é estranho, alheio, muito para além do meu campo de acção enquanto compositor. Fiz o meu trabalho e pode ser ouvido em grande parte. O que está na música, estará sempre, nem que desapareça totalmente das salas onde momentaneamente aconteceu. Ficará como possibilidade infinita, como acontece com todos os meus ilustres antecessores e sucessores.</span></span><br />
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">(Peço que me entendam: a <i>possibilidade</i> de infinito aplica-se a todas as obras que já foram feitas e às que serão feitas por todos, nos futuros insondáveis, enquanto possibilidade contingente. Se há quem já conheça o futuro não é certamente o meu caso. A isso chama-se <i>contingência, </i>tanto no tempo, como nos vários espaços, os vários lugares das múltiplas culturas. Gostaria de dizer culturas infinitas. Mas infelizmente sei que as culturas podem ter um fim. Muitas já desapareceram nos séculos XX e XXI, juntamente com as línguas em que se exprimiam, como George Steiner nos ensinou.)</span></span></span></span><br />
<br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><i>Alea jacta est</i>.<br /> </span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">António Pinho Vargas, Setembro de 2017</span></span></div>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span></div>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></span>António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-54657448502871012682017-05-22T04:15:00.002-07:002017-05-22T13:21:44.741-07:00Sobre a análise musical (partindo de Bergson e Deleuze) <div style="text-align: justify;">
1. A análise musical é certamente muito importante na aprendizagem tanto para músicos / intérpretes como para compositores. No entanto, será talvez menos importante do que nos parecia nos anos 1970 e 80.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quero quero dizer? Naquele período da minha aprendizagem era vista como absolutamente central na sequência da hegemonia serial e pós-serial. Analisar era então reconstituir a série e os seus derivados, mesmo à custa de menor atenção a outros factores deveras importantes. Rapidamente se concluiu essa limitação. Durante décadas fui lendo numerosos livros e numerosos artigos com análises de música serial ou pós-serial, de música moderna não redutível a essas correntes (de Stravinsky, de Bartok e Debussy) e apesar da notória utilidade das descobertas que permitiam ficava no meu espírito insatisfeito a vaga sensação de que era necessário ir mais além. Ou, dito de outra forma, que a música não era redutível a uma qualquer formalização dos seus elementos. Não por acaso a esse tipo de análise designa-se hoje por formalista. Coexiste, no entanto, com outros métodos menos dependentes desse pressuposto e, por isso, mais ricos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mesmo já numa fase posterior o contacto com a análise schenkeriana, de certo modo, recolocava sob o olhar de quem analisa os vários níveis de discurso musical que, nos primeiros tempos da primazia serial estavam para além do que se pretendia obter. É um facto que a análise schenkeriana tem como objecto principalmente para a música tonal. Em todo o caso, nos seus 3 níveis adequados, desloca a visão tradicional vertical - sequências de acordes e as suas funções tonais - para uma busca que introduz maior consideração pela linha fundamental - <i>Urlinea -</i> ou seja, para uma dimensão horizontal, sem deixar de considerar a harmonia funcional própria do sistema tonal nas suas várias fases.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Actualmente há uma tendência para contrariar a divisão entre vários sistemas ou várias teorias de análise musical e avançar usando todos os sistemas que se revelem adequados, úteis, instrutivos. Há também, no entanto, a adesão exclusiva a um único sistema ou teoria, com perda patente de outras perspectivas que poderiam ser igualmente usadas. Tudo depende da opção de cada professor ou de cada publicação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
2. Face a este panorama não terei nada a acrescentar que não seja de outra ordem. Pode ser formulado enquanto pergunta. De que modo a análise musical pode (ou não) captar e apreender o <i>discurso musical</i>, em tudo aquilo que não é redutível a uma formalização ou a uma mera <i>descrição por outros meios</i> daquilo que já existe na obra?"</div>
<div style="text-align: justify;">
Esta última observação é usada por Boulez nas suas últimas <i>Leçons de Musique</i>, nas quais se interroga sobre os limites das descrições possíveis. Nesta direcção uma leitura de Deleuze sobre Bergson, nas suas aulas de Vincennes, vem talvez enriquecer a questão e os seus modos de aproximação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
3. Afirma Deleuze que aquilo que nos é dado são "mélanges", misturas, tudo são mistos. "Então o filósofo analisa. Mas o que quer dizer analisar para Bergson? Transforma completamente aquilo que as pessoas dizem ser analizar. Analisar vai ser procurar o puro. Analisar será então analisar o misto, procurar o quê? Os elementos puros? Não, dirá logo Bergson: o que é puro nunca são os elementos. As partes de uma "mélange" nunca são menos misturadas que a mistura ela própria. Não há elemento puro. </div>
<div style="text-align: justify;">
O que é puro são as tendências. A única coisa que pode ser pura, é uma tendência que atravessa a coisa. Analisar a coisa é desbloquear as tendências puras que a atravessam, que a depositam. Bergson chama-lhe intuição" [como método filosófico]. </div>
<div style="text-align: justify;">
Aquilo que mais importa será referido a propósito da relação entre o movimento e a habitual relação entre o movimento e o espaço percorrido. Para Bergson trata-se de um erro. O movimento é irredutível ao espaço percorrido porque é o <i>acto de percorrer</i>, uma entidade não redutível nem ao espaço percorrido nem ao tempo abstracto medido.</div>
<div style="text-align: justify;">
Vem então a frase essencial: "Bergson diz-nos: é que o movimento faz-se sempre entre duas posições. Faz-se sempre no<i> intervalo</i>. Seja qual for o corte imóvel mais próximo entre duas posições por mais próximas que estejam. haverá sempre um intervalo por pequeno que seja. E o movimento far-se-á sempre no <i>intervalo</i>. Far-se-á sempre entre dois cortes. Não é multiplicando os cortes que se conseguirá reconstituir o movimento".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aqui reside o ponto essencial que me permite transportar o conceito para a música e a análise musical. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
4. Na realidade a motivação remonta a longo tempo: porque é que me parecia sempre que a mais brilhante que pudesse ser das análises ficava aquém da obra? Esta questão remete para o <i>discurso musical no seu todo</i> e não apenas nas suas partes ou secções constitutivas. <br />
Cada obra musical contém em si um discurso, um dizer, um ser-música, que na análise é confrontado com um determinado método analítico. Este método pode esclarecer-nos sobre a sua forma, sobre os carácter dos seus elementos de todo o tipo (harmónicos, melódicos, rítmicos, sonoros, técnicos, enfim, tudo o que possa imaginar) que são certamente importantes para quem quer estudar a obra em questão. Não há dúvidas sobre isso. No entanto, aquele <i>seu-ser-obra</i>, que se concretiza em si mesmo como que escapa parcialmente às abordagens analíticas. Parafraseando Boulez, quanto mais analisamos uma obra mais o seu <i>segredo</i> nos parece cada vez mais distante. Não pretendo sacralizar um tal segredo. O facto é que, na análise, estamos, não apenas num registo discursivo que necessariamente não é música, como, além disso, fora do tempo. Algo próximo daquilo que Bergson/Deleuze referem como cortes imóveis disponíveis para o estudo. Mas num caso, o movimento bergsoniano, e noutro caso, os irredutíveis movimentos da obra-enquanto-obra, ou seja, enquanto realidade sonora existindo no desenrolar temporal - residindo a sua essência em algo que apenas é captável em acto-de-existir-enquanto-música constitui-se como uma entidade que, por mais que possamos dividir em partes em arquétipos formais, em situações musicais, em eventos sonoros determinados e classificáveis, se realiza no entanto apenas em si mesmo enquanto música real, em acto de ser-música. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esta sua especificidade não anula a sua análise, não a torna inútil. Tal como um texto de análise de um poema nunca poderá substituir o <i>poema em si mesmo.</i> A análise simplesmente reduz o seu âmbito a algo de parcial, instrutivo sem dúvida, mas parcial. Ao deslocar-se para o registo discursivo, ao retirar-se do tempo enquanto partitura na qual podemos operar cortes e classificá-los, do próprio ponto de vista ontológico está noutro plano que não o de ser-música. Quando Adorno, sempre capaz de escrever os maiores disparates, afirmou que a essência da obra residia na partitura, que nem era preciso tocá-la, muitas vezes mal, bastando a leitura da partitura pelo filósofo dotado da sua superior audição interna (ele próprio, Adorno), mostrou-nos que, apesar de sua aparente ligação à música como pensador e comentador, na realidade nunca soube o que ela <i>era-no-seu-ser. </i>Se isto permite compreender a enorme quantidade de erros ditos e escritos pelo alemão, não nos serve para mais nada. A música era e é simplesmente outra <i>coisa</i> e é ela que nos dá a sua maior magia.<br />
<br />
PS: este texto tem por objecto a análise musical vista do ponto de vista de um compositor de hoje. Nunca leccionei essa disciplina por razões várias. Outros colegas estavam mais vocacionados, em certos casos muito mais vocacionados, para essa disciplina. Conheço a problemática da minha aprendizagem, do meu estudo e daquilo que, posteriormente, em cada momento quis analisar por e para mim próprio. Em certas aulas de composição ocorreu, por vezes, fazer um tipo de análise parcial, local ou específica - a qual Boulez se refere dizendo poder ser "fulgurante" (e não em busca do <i>segredo</i> global já referido) - em torno de problemas composicionais determinados em obras que escolhia em função das necessidades dos alunos-compositores. Este texto denota essa relativa <i>distanciação</i> que se produziu ao longo do tempo sem ter sido propriamente planeada. De outro modo, o facto de ter tocado jazz tradicional entre 1976 e 1982, sobretudo, implicava desde logo uma análise funcional imediata. Os músicos de jazz com os seus signos cifrados próprios, por exemplo, G-7 - C7b9 - F- eram, pela própria natureza da escrita e daquela prática musical, forçosamente <i>analisados</i> nesse plano harmónico e escalar, sob pena de não se poder, pura e simplesmente, tocar. </div>
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<br /></div>
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António Pinho Vargas, Maio 2017. </div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-43423556001331925282017-05-13T12:43:00.000-07:002017-05-14T05:30:14.707-07:00Retrato do artista enquanto trabalhador<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">"O que é que pode um corpo?"</span></span></span></i><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i> </i></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i>Espinosa</i></span></span></span></div>
<br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">Escrevo este texto para os leitores que o quiserem ler, naturalmente, mas, antes de mais, para mim próprio. Precisei de o fazer. </span></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i>Retrato do artista enquanto trabalhador</i> deriva do título de um livro de Pierre-Michel Menger (aliás, autor citado no meu livro <i>Música e Poder</i> num ponto crucial: a criação do sub-campo da música contemporânea - actualmente em rápida e imprevisível reconfiguração) e, além disso, o título corresponde à forma como vejo a minha actividade criadora: como um <i>trabalho</i>. Esse trabalho consiste em produzir obras musicais. A interrogação que percorre o livro de Menger citado é a seguinte: o que é que conduz <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">as pessoas</span> para uma profissão artística sabendo-se antecipadamente que essa profissão, enquanto tal, é <i>instável, insegura, contingente e desgastante</i>? O seu livro ensaia uma série de respostas a esta pergunta, sendo que, a meu ver, se pode acrescentar uma razão, talvez fora de moda neste mundo utilitário e imediatista, mas que parece indispensável: <i>uma necessidade</i>, uma verdadeira <i>pulsão criativa</i> que opera no recôndito mais profundo de cada ser que a escolhe. <br /><br />Dito isto proponho-me aqui analisar duas coisas: 1) o meu trabalho enquanto criador de obras-de-arte musical (coisas lançadas no mundo quer ele note quer não note) e 2) o cansaço que sinto hoje. Claro que a idade conta - </span></span></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">"O que é que pode um corpo?" - </span></span></span></i>mas a questão só pode ser compreendido pela quantidade de trabalho produzido, tal como qualquer trabalhador do século XIX o sentia muito bem quando, ao fim do dia, regressava a casa depois das 12 horas de trabalho nas fábricas em condições penosas, ou, hoje - sob o regime mundial do trabalho <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">flexível</span> exigido pelo capitalismo neoliberal que comanda a economia-mundo - como regressa a casa depois de submetido às exigências que o obrigam a se reinventar, em curtos espaços de tempo, para desempenhar múltiplas funções, a regra número um do tipo de flexibilidade laboral exigida. O trabalho é específico de cada época e de cada profissão. <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">M</span>as <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">é sempre <i>um</i> trabalho.</span><br /><br />Devo portanto pensar sobre aquilo que fiz nos últimos 10 anos. Tentarei seleccionar aquilo que me parece mais importante da minha perspectiva, para não escrever tudo. Fiz de facto muitas "coisas<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">-</span>obras". Assinalo a negrito as obras e livros gravadas/editadas disponíveis.</span></span></span><br />
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2007<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> </span>- gravei em 3 dias de Dezembro os discos duplos<i> <b>Solo</b></i> (2008) e <b><i>Solo II</i></b> (2009) e fiz numerosos concertos até 2013, mas não os posso referir a todos, uns 25 ou 35, não estou certo. </span></span></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2008 - ópera <b><i>Outro Fim</i>.</b></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - <i>Suite para Violoncelo Solo</i>. </span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - <b><i>Quarteto de Cordas nº2</i> Movimentos do Subsolo</b>. </span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - 1ª edição de <b>Cinco Conferências: especulações críticas</b> (realizadas em 2005). </span></span></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2009</span></span><i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - An Impossible Task (3.3.3.1 harps.)</span></span></i></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - Trípico para Quarteto de Cordas e Orquestra</span></span></i></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - Concerto no IST - improvisação livre - CD <b>Improvisações </b></span></span></i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> </span></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2010 - Tese de Doutoramento:<i> <b>Música e Poder</b> (Almedina, 2012)</i></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i> </i></span></span><i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">- </span></span></i></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i>One minute to go</i> (Sond'art Ensemble)</span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - </span></span></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><b><i>Quasi una Sonata</i></b> (violino e piano)</span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - </span></span></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i>Quatro Novos Fragmentos</i> (versão para flauta e piano). </span></span></span></div>
</div>
<div style="text-align: left;">
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2011 - <b>Árias de Ópera para Tuba e Percussão</b> (Drumming)</span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - <b>No Art </b>- quatro estudos para violino solo.<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> </span></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> </span>- Onze Cartas para 3 narradores, orquestra sinfónica.</span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - <b>Estudo para Vibrafone - Políticas da Amizade.</b></span></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2012 - </span></span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i>Quarteto de Cordas nº3.</i> </span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - <i>Overtures and Closures para Orquestra</i></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i> - <b>Requiem para Coro e Orquestra.</b></i><b> </b></span></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2013 - </span></span><b><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i>Magnificat para Coro e Orquestra.</i></span></span></b></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i> - Antiques para Viola e Violoncelo (2010-2013)</i></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i> </i></span></span></span></div>
<div style="text-align: left;">
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2014<i> </i></span></span></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i>- <b>De Profundis para Coro a Capella.</b></i></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i> - Quadros (de arte moderna) para orquestra.</i></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i> - Les Octaves Sonata para 2 pianos e percussão (Drumming).</i></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><i> - Three Political Events para orquestra de sopros.</i> </span></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2015<i> - The Composer para <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">C</span>oro a capella.</i> </span></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2016 <b>- </b><i><b>Concerto para Violino e Orquestra</b>.</i></span></span><i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> </span></span></i></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - Concerto para Viola e Orquestra.</span></span></i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> </span></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2017 - <i>3 Pontos no Espaço para 6 orgãos</i>. </span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> - <i>Variações (...memórias...)</i> para piano.</span></span></span></div>
<div style="text-align: left;">
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">2018 - Quarteto de <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Cordas nº 4 (quase terminado).</span> </span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><br /></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">Pelo meio sairam os CDs (para além dos 3 já referidos): </span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> Requiem e Judas (Naxos) 201<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">4</span></span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> </span>Magnificat - De Profundis (Warner) 2017<br /> Concerto para Violino (mpmp) 2017</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">e foram ainda reeditados </span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"></span>Os Dias Levantados, (Naxos digital) 2015</span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> Verses and Nocturnes (Naxos digital) 2015</span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> Monodia (Warner digital) 2015</span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">e ainda o CD da Orquestra de Jazz do Hot Club com alguma da minha música de jazz com os seus arranjos, estando prevista uma nova gravação de Six Portraits of Pain em 2018. </span></span></span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><br /></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">Refiri apenas as obras estreadas e não os concertos com outras obras minhas (foram ainda alguns outros) . <br /><br />Esta lista permite-me concluir que, na realidade, </span></span></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">foi realizado nesta década </span></span></span>muito trabalho, muito trabalho mesmo. Poderão perguntar-me se todas as obras são boas ou se têm igual importância na sua duração ou valor simbólico (para mim). Não sei se todas são boas mas direi que talvez não. A arte é contingente como sempre foi. Apenas os historiadores agrupam e reagrupam o</span></span></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"> passado</span></span></span> longínquo como <i>totalidade</i>, aquilo que foi apenas feito de cada vez, visto enquanto totalidade retrospectiva. Penso que estão em diferentes patamares de qualidade, tal como de duração, dimensão e desígnio, como é normal com todos os compositores. Em todo o c<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">aso, boas ou más, têm <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">o mesmo</span> destino. São muito pouco tocadas em geral ou mesmo não tocadas. Quanto maior for o dispositivo (Orquestra, Coro, Ópera, etc.) menos provável acontece e acontecerá. Destin<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">o muito comum, como sabemos.</span></span> Mas uma boa parte delas fazem parte daquilo a que se liga o meu afecto mais profundo e a minha recordação mais comovida do seu momento inicial. <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Sobre <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">o</span> problema da vida musical em geral já escrevi um livro e não irei continuar <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">reclamar contra </span>a evid<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">ê</span>ncia:</span> esta música "não se inscreve<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">" <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">(Gil) e</span> <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">o</span> seu lugar está ocupado há muito tempo. </span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">Escrevi este texto para mim próprio, como disse. Precisava de colocar no papel uma <i>razão de ser</i>, uma <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">mera</span> <i>interpretação/verificação</i><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> </span>simples do meu actual cansaço enquanto <i>artista trabalhador</i>, dotado de <i>um corpo</i> no tempo.<br />Mas, feito isso, não avanço de modo nenhum para nenhuma psicanálise mítica ou mística, nem sequer para <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">nenhuma opinião nem, ainda menos, para qualquer previsão</span>. Quando se usa a expressão "O futuro a Deus pertence", diz-se, em última análise, através da metáfora religiosa, simplesmente que não se sabe. </span></span></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">Prever</span></span></span> não era aqui o objectivo. É antes poder dizer: "Foi assim, um conjunto de factos reais".</span></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;">António P<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">i</span>nho Vargas, Maio 2017 </span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-size: small;"><br /></span></span></span></div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-213479152455664962017-04-22T02:53:00.003-07:002017-04-24T08:19:14.782-07:00A minha zona de (des)conforto I parte1. Não tenho zona de conforto. A minha zona foi desde início uma zona de desconforto. Ninguém tem culpa. Sou o único responsável. Há diferentes práticas musicais no mundo e a partir dos anos 70 fui eu que me coloquei sempre na posição instável <i>entre</i> as categorias, os géneros, os modos. <br />
2. Pior ainda: se cada uma dessas zonas, dessas categorias, tem os seus habitantes próprios, o facto de ter mantido de forma razoavelmente intactas as fronteiras de cada uma, sendo habitante de várias, só agravou o problema-desconforto. <br />
3. O conceito de <i>persona</i> de Jung pode ajudar-me a tornar-me mais claro. As <i>personas</i> eram as máscaras dos actores nas tragédias gregas. Cada máscara / <i>persona</i>, era o rosto provisório de cada personagem da tragédia no palco. Segundo Jung, na vida real, a primeira <i>persona</i> cola-se ao rosto verdadeiro do homem público. Qualquer alteração posterior do seu território, da sua zona principal de actividade, depara com a coexistência do novo território e da imagem persistente da anterior máscara / persona. Aqui reside um conflito entre o novo rosto e a velha máscara, sedimentada, tornada granítica, ao olhar dos outros. Alguns viveram situações com alguns pontos de contacto com este problema. Stravinsky criou para si próprio três personas: o russo, o neo-clássico e o serial. A cada uma destas imagens corresponde uma zona geográfica diversa: o russo, na Rússia com Diagilev e em Paris; o neo-clássico na Suiça e depois nos Estados Unidos; o serial nos Estados Unidos depois de 1951. Este facto motiva a entrada em acção dos psicanalistas. O preço é visível: são as 3 obras russas que são tocadas com maior frequência, com algumas obras neoclássicas em segundo plano. Do período serial, pelo contrário, a raridade é a característica dominante: são tocadas raramente. Stravinsky criou a sua própria zona de desconforto por razões específicas que foram as dele e da sua geografia.<br />
4. Nos ano 1970 estudei música clássica e composição em escolas de música e conservatórios ao mesmo tempo que com Rão, José Eduardo e os meus grupos do Porto estudei jazz de forma autodidacta mas em conjunto com este grupo de pessoas que foi variando. Mais tarde em 1983 gravei o primeiro disco Outros Lugares, continuando a estudar piano e composição com Cândido Lima Álvaro Salazar tendo feito um seminário com Jorge Peixinho, por volta de 1980. As duas práticas musicais coexistiram desde inicio e, do meu ponto de vista (que outro poderia ser?) eram incomensuráveis entre si, apesar de nos anos 70 haver uma enorme curiosidade e cruzamentos mútuos. Esse tempo acabou por volta de 1980. Regresso a cada uma das diferentes tribos. <br />
5. Mesmo do ponto de vista técnico as primeiras músicas que fui capaz de compor não tinham em geral a sequência harmónica mais elementar típica dos standards do jazz (II-V-I) que muitas vezes toquei com todos aqueles músicos e alguns americanos ou de outras nacionalidades. Como se o meu corpo, marcado pelo estudo da música clássica que se inscrevia no corpo, tanto como a aprendizagem da improvisação do jazz e, antes, do free jazz, no momento da criação manifestasse mais a primeira do que a segunda do ponto de vista da estrutura do composto. Sendo isto patente, o facto real é que em 1983 escrevi um obra para flauta solo a pedido de Cândido Lima para um concurso no Conservatório de Braga. A zona de desconforto ou de cesura de vários modos num só homem estava definitivamente instalada. Mais expressiva ainda é a composição em 1985 de Três Fragmentos para clarinete solo, já durante a frequência de seminários de Emanuel Nunes de 1982 a 1988, estreada por António Saiote no Conservatório de Lisboa - não estive presente - aconteceu no mesmo ano em que gravamos Cores e Aromas e a sua música principal A Dança dos Pássaros. Este disco teve dois efeitos: em primeiro lugar A Dança dos Pássaros foi muito tocada nas rádios e por vezes na televisão. Tornou-se muito conhecida até hoje; por outro lado, resultou no inevitável: uma espécie de expulsão dos festivais de jazz com orientação mais tradicional. Na realidade era expectável. Não era propriamente jazz, diziam. Era um objecto <i>entre </i>e nesse sentido, tendo popularidade, cumpria o requisito necessário para a condenação sumária. Como já referi era frequente nas minhas composições-jazz que as sequências harmónicas apresentavam muito mais descidas cromáticas da linha do baixo do que os ciclos de quintas próprias dos standards. Pairava por cima o que na altura se designava por estética da ECM, vista como traição radical ao verdadeiro jazz. Esta visão não foi um acaso. Em 1983 tinha pensado longamente no assunto. Íamos gravar o disco com música minha. Que devia gravar? Um tema com o título Dex - Dexter Gordon evidentemente - ou outras, as tais mais decorrentes da tendência do corpo ligado pelas mãos à música clássica e a outro tipo de harmonia diferente, devedora igualmente sem dúvida de muita música da ECM e, por isso, efectivamente não-jazz de acordo com aquela visão? A minha opção foi a segunda. Dex nunca foi gravado e pouco antes (1982) tinha já decidido que não queria continuar com a vida própria de um músico de jazz (tocar em clubes, viajar para longe, ser sempre mal pago, etc.). <br />
6. Paradoxalmente - talvez não na realidade - a essa opção de recusa, seguida da decisão de continuar a estudar piano no conservatório, só tocar com o meu Quarteto e regressar à Faculdade de Letras para terminar o curso de História (faltavam-me 7 cadeiras) - seguiram-se dois anos mais tarde Outros Lugares (1983 e mais tarde Cores e Aromas (1985) - e as duas obras que referi. Abriu-se um novo contexto do qual emergiu "a minha música", a primeira. Muitas vezes é necessário recusar um caminho para que outro se abra. Isto é fácil de dizer agora. Mas, na altura, uma vez que o futuro não está, nem nunca esteve, escrito seja onde for, a opção teve uma enorme dureza. Não sabia o que se iria seguir por isso foi antes de mais nada uma recusa, um "não quero continuar deste modo de vida".<br />
<br />
7. Excurso<br />
Posso dizer que toda a minha vida desde 1969 em diante foi de várias formas um combate contra o conceito de vanguarda e as suas consequências. Em primeiro lugar do ponto de vista político; em segundo lugar do ponto de vista das artes. As vanguardas históricas nas artes podem ter tido razão de ser no início do século XX e algumas das obras desse período e de outros períodos posteriores que se reclamaram do mesmo conceito, são boas obras de arte ou boas obras musicais. Não eram as obras propriamente que estavam em causa, nem sequer a hegemonia que exerceram tanto nas instituições como no ensino. Era o princípio. <br />
O conceito, do ponto de vista político, traduzia-se originalmente enquanto "a vanguarda da classe operária", o partido. Na sua raiz estava, percebi poucos anos mais tarde, a visão de que "as massas" precisavam de ser conduzidas pelo "seu partido" face ao seu atraso, à sua incapacidade, como classe, de por si só conseguir tomada do poder político do Estado. A vanguarda era assim por definição um pequeno grupo que ia à frente, esclarecido, politizado, organizado numa estrutura disciplinada, mas traduz, ao mesmo tempo, uma visão das massas como ignorantes ou incapazes de por si só levarem a cabo essa tarefa. Os perigos desta visão - que muitos dos meus jovens amigos e/ou contemporâneos partilhavam - residiam para mim nessa assumpção de superioridade prévia e nos seus efeitos nefastos posteriores já verificados com Estaline e outros. Argumentar nestes termos era inútil e, alem disso, propiciava a crítica de espontaneísmo ou de desvio anarquizante, entre muitos outros slogans.<br />
Por outro lado, nas artes, as vanguardas caracterizavam-se por se organizarem igualmente em grupos, redigirem manifestos e declarações de ruptura com as linguagens tradicionais, vistas com alguma razão como conservadoras e académicas. Eram uma coisa e outra, de facto, daí a importância que é hoje atribuída às vanguardas históricas dos anos 1910 e 20 do século XX. No entanto alguns aspectos se manifestavam como igualmente não isentos de perigos.<br />
Tanto Malevich - nos textos do suprematismo - como Trotsky e outros russos revolucionários defendiam a formação do <i>homem novo</i> do futuro. Havia portanto um desejo, enunciado nas duas esferas, de recomposição, de reeducação do próprio humano, tanto no campo das artes como nas sociedades. Contra quem? Contra o burguês, na sua caricatura de gordo com charuto que se tinha criado ao longo do século XIX a par com o grande desenvolvimento do capitalismo nessee período. Muitas lutas justas foram travadas neste quadro e mesmo aquilo que veio a ser o Estado Social Europeu começou inclusivamente ainda com Bismark no século XIX. Os problemas vieram mais tarde e na minha juventude eram já parcialmente claros. A transformação do partido-vanguarda não na fonte da emancipação dos programas mas na reconversão ou na criação de novas formas de repressão e forte opressão era uma evidencia histórica, muitos anos antes de cair o Muro de Berlim. A ilusão de Mao seguiu o mesmo caminho anos mais tarde. Quando só há um partido a luta pelo poder passa a verificar-se no seu próprio seio e todas as divergências terminaram por dar origem às purgas aos julgamentos, condenações e fuzilamentos sob as mais diversas acusações. <br />
Nas artes um outro tipo de processo com alguns pontos de contacto se verificou. Avançando algumas décadas encontra-se o fenómeno global seguinte: as vanguardas artísticas tinham orgulho no seu esplendido isolamento, no seu combate proclamado contra a instituição-arte. Peter Burger na sua Teoria da Vanguarda analisou este processo em profundidade. A sua conclusão fala-nos do falhanço das vanguardas. Porquê? Não apenas o combate contra a instituição-arte falhou como, pior do que isso, ocorreu aquilo que as vanguardas mais temiam: que a massa que vinha atrás, que era necessário educar e tornar culta, na realidade, numa aliança imprevisível de 1950 a 1980 entre a instituição-arte e os novos enriquecidos das grandes empresas de Wall Street e de todo o mundo, simplesmente apreciaram a arte de vanguarda e compraram por alto valor as obras feitas-contra a instituição-arte. Assim esvaiou-se o objctivo antes proclamado e o carácter de mercadoria sobrepôs-se aos manifestos históricos ou das segundas vanguardas pós-1945. Deste modo em lugar de destruir as instituições, de as substituir por outras-por-vir, a arte de vanguarda foi comprada pelo grande capital e exposta no próprios locais que dizia combater, o que provocou uma aceleração sem fim das formas artísticas contra-a-arte, sempre seguidas da sua aquisição e exposição. Como afirma Zygmund Bauman o segui-se o sucesso sem precedentes, em última análise, aquilo que mais temiam.<br />
<br />
Porque? Porque aquilo que é comum às duas esferas é o efeito de <i>distinção</i>, o poder olhar para si próprio como superior, <i>à frente do seu tempo</i>, <i>avançado</i> e outras características sempre presentes no argumentário típico desses movimentos, derivado em boa parte da filosofia da história hegeliana, via Adorno e alguns outros. No entanto o prestigio simbólico que lhes ficou associado está ainda operativo mau grado a total inversão que a realidade lhes forneceu. O aspecto que desde novo me incomodou foi, acima de todos - há vários - a arrogância mal disfarçada que presidiu à maior parte destes movimentos, o seu desprezo secreto pelas "massas", mesmo nos casos que diziam defender ou trabalhar em seu nome. De um outro modo, manifestava-se nesta esfera o mesmo fenómeno da "linha justa", do "caminho único em direcção ao futuro", que na politica deu origem aos maiores crimes, como é sabido. <br />
<br />
<br />António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-58690496440709514542017-03-12T04:47:00.002-07:002017-04-14T06:51:22.583-07:00Meditação intempestiva: "dos inconvenientes da história para a vida"<div style="text-align: justify;">
Meditação intempestiva: "dos inconvenientes da história para a vida" (Nietzsche)<br />
<br />
Nas fases de transição entre paradigmas verifica-se uma dificuldade que manifesta o carácter semi-invisível e semi-cego que as caracteriza. Nada é imediatamente evidente. É deste ponto que partirei.<br />
<br />
A edição de discos - a que tenho dedicado a maior das energias - tem um duplo alcance. Em primeiro lugar dá às obras uma perenidade que, sem eles, não teriam. Nas plataformas digitais do presente e do futuro será possível que lá se possa ouvir um determinado número de obras registadas em discos que, de outro modo, não seria possível ouvir. As obras musicais, circunscritas no seu momento inaugural, pela natureza da vida musical em Portugal centralizada em Lisboa e, em menor grau, no Porto, podem ser ouvidas em todo o país e noutros países.<br />
<br />
Mas, em segundo lugar, a fase de transição em curso mostra sinais de uma passagem radical a um novo modo de existência das novas obras. Estas manifestam-se enquanto realidade nas salas de concertos de hoje de modo idêntico àquele que caracterizou o século XVIII. As obras eram então compostas para uma ou duas execuções, após as quais os compositores faziam outras, sem nenhuma expectativa de história ou de futuro. O próprio conceito de obra segundo Lydia Goehr cria-se por volta de 1800. O século XIX, a formação do cânone musical que então se foi construindo e se aprofundou drasticamente no século XX, colocou a rapidez da aparição e desaparição das novas obras cada vez mais em evidência. Hoje, inícios do século XXI, perfila-se no horizonte um novo passo que acelera ainda mais este processo histórico e a criação de novos modos de produção e apresentação no espaço público das novas obras compostas. Aprofunda-se a velocidade da desaparição. A geração de composições de 1950 desapareceu das salas de concertos com uma rapidez inusitada. O facto de uma ou outra obra ser tocada aqui ou ali, não muda o essencial do facto inegável.<br />
<br />
Ao mesmo tempo, o funcionamento das instituições culturais, numa espécie de acção feérica movida pela vontade de sobreviver - face à existência poderosa de outras práticas musicais dominantes - centram-se em duas formas de funcionamento: um lado prossegue a repetição dos concertos com os grandes artistas do mundo na sua arte de interpretação de obras de compositores mortos há muito; ao mesmo tempo, a par com o desaparecimento das obras compostas há 10, 20, ou 50 anos, verifica-se um forte incentivo para a criação de obras novas e múltiplos apoios aos "jovens compositores". No seu conjunto, este processo complexo revela-se como uma forma de angústia de sobrevivência institucional por excesso de actividade para aparentar a existência de vida e ocultar a pulsão de morte relativamente ao passado recente e a ameaça maior que paira por cima. A rapidez com as novas obras se tornam velhas e arrumadas para sempre nunca foi tão acelerada como na última década. É este o sentido do neo-prémoderno que predomina e ressuscita o modo de existência fugaz que lhe é próprio. Tal como no século XVIII - anterior à formação canónica - as obras são feitas uma ou duas vezes e avança-se para um nova estreia. Neste nosso momento sobrepõe-se um tipo de discurso moderno que já não corresponde à realidade e uma prática real muito diferente. O discurso versa sobre o que já não existe, senão como discurso, enquanto a prática real já se determina por outro tipo de valores que, pelo contrário, não motivam nenhum discurso reflexivo. A prática acontece, simplesmente, ano após ano, mas permanece opaca e para além de qualquer reflexão. A forma como se instala só tem paralelo com a forma como é invisível.<br />
<br />
Para que os discursos mudassem seria necessário uma nova capacidade de entender e interpretar o real capaz de ultrapassar a vulgaridade dos discursos correntes. É uma dificuldade agravada pela grande capilaridade que se verifica entre os produtores dos discursos e os lugares institucionais que muitas vezes ocupam se separassem e permitisse - terminando essa capilaridade - um novo pensamento e uma nova produção discursiva. Nem termina a capilaridade nem tem sido produzido um novo discurso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Deste modo a existência de discos - que são editados no mundo em grande número todas as semanas - corresponde, em espelho e de acordo com esta análise, tanto à sua <i>possível perenidade</i> como a uma. possível de antecipar como plausível, <i>sentença de morte</i> das obras enquanto presença real na vida de concertos no país e no mundo. Esta tem outras determinações que escapam ao observador, mesmo atento. A produção em excesso, a multiplicação de eventos, a velocidade extrema com que se passa da existência para a não-existência, concretiza dois factores aparentemente contraditórios: a ideologia da estreia, como forma actual de existência precária e uma nova coexistência com a perenidade digital presente e futura.</div>
<div style="text-align: justify;">
Que penso sobre isso, entre a <i>perenidade possível</i> e a <i>ameaça de morte</i>? Penso que é preferível a aposta de Pascal (<i>talvez Deus exista</i>). Porque neste caso a <i>ameaça de morte</i> é já um facto da realidade. A <i>perenidade possível</i> é, no entanto, uma possibilidade na qual se poderá apostar.<br />
<br />
Em todo o caso cabe-me decidir em cada momento o que fazer.<br />
<br />
É esta convicção, esta eventualidade possível, que justifica o CD
Magnificat - De Profundis da Warner Classics que irá sair no dia 17 de
Março e os discos previstos seguintes: Concerto para Violino na mpmp,
com Tamila Kharambura e a Orquestra Metropolitana de Lisboa dir Garry
Walker e Six Portraits of Pain com Pavel Gomziakov e igualmente pela OML
dir. por Pedro Amaral no próximo ano.<br />
<br />
António Pinho Vargas, Fevereiro de 2017</div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-69626450231535545132017-02-26T10:42:00.003-08:002017-04-14T13:07:59.468-07:00A obra de arte musical e tudo aquilo que se lhe adere do exterior (pencil-effects)<div style="text-align: justify;">
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<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Podemos exaltar-nos com a nossa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">obra-de-arte-em-si</i>, podemos recordar a
emoção que sentimos quando foi tocada, quando um conjunto de músicos e/ou
cantores lhe deram vida e realidade sonora, podemos sentir o calor dos aplausos
entusiásticos (se foi o caso) do público ali presente, podemos até ficar de
rastos uma semana ou mais tempo face ao vazio que se segue, que algo ainda
indefinível vem ligar-se a essa sucessão de eventos, de sentimentos, de
emoções.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">O que se vem ligar à nossa excelente <i style="mso-bidi-font-style: normal;">obra-de-arte-em-si</i> é sempre o lugar onde
tudo isso ocorreu. Esse lugar chama-se instituição cultural e apresenta-se
perante nós como uma estrutura organizada numa hierarquia de prestígios simbólicos.
</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">O renitente olhar de Bourdieu, que se recusa
a olhar exclusivamente para a nossa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">obra-de-arte-em-s</i>i
e nunca abandona a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">societates </i>onde tudo
sempre acontece, faz-nos a sua pergunta mortal: "e quem criou o
criador?"</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Esta pergunta incómoda vem-nos lembrar,
impor, obrigar a considerar o lugar complexo onde tudo aconteceu e, desse modo,
força-nos à desditosa conclusão: a nossa obra-de-arte em-si ocorreu num
determinado tempo - cuja passagem nos aflige - e num determinado lugar - cuja
existência se manifesta de um modo institucional hierarquizado. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Esse conjunto de lugares dotados de um
prestígio simbólico particular - cada um deles ocupa um ponto dessa hierarquia,
seja qual for a prática musical em questão, o que, aliás, conforme ela varia, pode
mesmo inverter ou alterar os termos e a ordem da hierarquia simbólica em questão - é
muito vasto e, pela sua própria natureza e poder simbólico adere à <i style="mso-bidi-font-style: normal;">obra</i> e somos obrigados a admitir que o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">em-si</i> da obra - ela permanece igual ao
que sempre foi - se tornou real num determinado espaço, numa determinada
instituição, uma fundação, uma sala de concertos, um teatro de ópera, um centro
cultural, um espaço informal ou discreto que, naquele momento e não obstante, se transforma
enquanto lugar passando como todos os outros a institucional, no qual a obra-em-si
obteve a sua realidade sempre em adesão, em simultaneidade, em associação<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>- como quisermos - ao lugar que, afinal,
sabíamos bem que existia, mas que o nosso desejo artístico de permanecer no
em-si da obra-de-arte que miraculosamente nos foi dado fazer - com os outros -
não queria nem quer reconhecer como existente, como importante, como
determinante, mesmo como mera condição de possibilidade. Sem ele, o lugar, não
teria havido <i style="mso-bidi-font-style: normal;">obra de arte-em-si-e-ali</i>
(temos de acrescentar).</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Não existe nenhuma prática musical que não
contenha em si esse "contexto", palavra que todos os formalistas e
adeptos da <i>music-itself </i>gostariam que não viesse manchar com a sua vulgaridade sem
requinte a nossa ilusão inicial. Este será o olhar sociológico: priveligia o contexto. Mas devemos prosseguir. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Dois últimos pontos: múltiplas articulações da obra, do lugar, do objecto e do ser ou considerar os <i>pencil-effects</i> (Harman). </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">A obra de arte é uma coisa. Uma peça musical é uma coisa. Nesse sentido é lançada no mundo como qualquer outro utensílio que resulte do trabalho humano. Mas Heidegger distingue utensílio e obra de arte. Será no seu ser-obra algo que, para além disso - ser coisa - contém em si <i>um mundo</i>, a posição de Gadamer anos mais tarde. </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">No seu livro <i>Hermenêutica</i>, Richard E. Palmer comenta de perto as posições de Gadamer e sublinha que, perante uma obra de arte, "é toda a nossa autocompreensão que é avaliada, que <i>é posta em risco</i>. Não somos nós que interrogamos um objecto; é a obra de arte que nos coloca uma questão, a questão que provocou o seu ser". </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Em <i>Verdade e Método</i>,
Gadamer apresenta uma visão da arte como transformação numa forma,
realizada pelo artista, que é verdadeiramente a verdade do ser: "O que
antes foi já não é, mas aquilo que agora é, aquilo que se apresenta na
interpretação da arte é a verdade que agora perdura". (106). Portanto, a obra de arte interpela os que a observam, a olham, a ouvem, etc. Não se trata de 'mero' prazer estético - como foi pensado durante muito tempo até Kant - mas antes algo que acrescenta mundo ao mundo, sob a forma dessa interpelação irredutível do sujeito </span></span><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">ao ser </span></span>colocado perante a obra: um conhecimento / mundo partilhado que nos interroga. </span> </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Julgo ser útil, instrutivo, passar pela posição dos filósofos chamados <i>realistas</i> <i>especulativos</i> de hoje (Manuel DeLanda e Graham Harman) ou <i>realistas críticos</i> (Roy Bhaskar) sobre os objectos existentes no mundo, objectos fabricados, criados pela actividade humana, tal como as obras de arte. </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Diz Harman "um lápis é irredutível aos seus átomos, mas também é irredutível à sociedade que o produziu e à gama completa de efeitos-de-lápis [<i>pencil-effects</i>] que gera". </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Esta posição permite regressar à obra de arte - sempre enquanto artefacto humano - mas considerar de outro modo os seus <i>efeitos-de-obra</i>. </span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Nesse modo de ser obra - uma coisa - ela adquire uma independência total do seu criador. Feita a obra, não importa a sua própria opinião sobre ela. Pode guardar afectos ou encantamentos ou insatisfações privadas. Mas está separado dela para sempre. A obra existe enquanto obra que se manifesta e será perene. O público satisfeito ou não com ela - que o interpelou - o crítico indeciso, insatisfeito ou impressionado - na sua própria e particular reacção à interpelação, estão tão distantes daquele ser-obra como o criador. Este fez o seu trabalho artístico que, uma vez terminado, o distancia do resultado: está perante uma coisa lançada no mundo como os outros. </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><br /></span></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Diz esta posição que não há contexto? De modo nenhum. Os <i>pencil-effects</i> são gerados no mundo, têm lugar nele, mesmo que não se tenha acesso a, nem conhecimento d'os efeitos, de tudo aquilo que é gerado. O que nos diz é que <i>sendo obra</i> ela <i>persiste</i> <i>como tal</i> de forma independente face aos mundos-da-arte que regulam e organizam a vida cultural e que, desse modo - mas apenas desse modo - interferem com o seu destino. Esta interferência verifica-se, não na obra-em-si - permanece igual - mas no seu momento histórico de recepção e de todas essas consequências particulares. Concluindo a sociologia analisa os lugares e a recepção; a filosofia poderá analisar e normalmente fá-lo apenas em geral, analisa a obra enquanto obra de arte. </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><br /></span></span>
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Uma consciência da importância do lugar onde
a obra se enuncia, se realiza, se apresenta pela primeira vez, pode não alterar o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">modus vivendi </i>criativo, secreto ou
público, solitário ou partilhado,<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> </i>de cada
artista. O lugar e as suas implicações no seu destino de obra, no quadro dos poderes que regulam o mundo musical, são contextuais e determinados de cada vez, em cada momento histórico, existem tanto como outras coisas do mundo: uma sociedade, uma cultura, uma dominação global, uma subalternidade local, etc. Tudo isto <i>existe</i>. Mas nem tudo é passível de ser reduzido por uma ciência que apresente resultados numa lista, nem por uma hegemonia historicamente provisória. É importante saber e considerar esses efeitos na medida em que são reais. Mas, na obra, sendo irredutível a esses efeitos sociais, historica e geoculturalmente definidos, tal como a diagramas de frequências que possam ser feitos dela e servir um qualquer objectivo cientifico, é fulcral considerar com Gadamer, o mundo criado, o algo que lá permanece, ou seja, a sua irredutibilidade singular. Ninguém pensará que as Paixões de Bach, nos seus mais de oitenta anos de silêncio entre as duas primeiras e únicas execuções até à terceira já nos anos 1830 do século XIX, terá perdido alguns dos seus atributos enquanto obra de arte. Permaneceram sempre - no silêncio - iguais ao que sempre foram uma vez criadas. O modo </span></span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">histórico </span></span>de recepção é que, pelo contrário, sofreu alterações e mudou. </span></span><br />
<br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">A obra gera efeitos, tal como o lápis: <i>work-of-art-effects</i>.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"> </span><span lang="PT" style="font-family: "arial";">
<style>
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<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-size: 12.0pt;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">A</span> obra-em-si existe, depois daquele momento inicial descrito. É uma
coisa, um artefacto humano.</span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> </span></span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Existe</span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> a ideologia da <i>music-itself</i> - as ideologias são factos da realidade - que gostaria e pretende retirar a obra
do mundo e fazê-la descer de um limbo inexistente. Mas é a obra como
objecto<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">-</span>de<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">-</span>arte<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">-</span>singular - cada uma é sempre uma única - que tem ou pode ter a
capacidade de inversamente poder criar um mundo em si mesmo e pela sua própria
existência. Nenhuma obra de arte é sem consequência<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> - outro facto da realidade.</span></span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">A geopolítica cultural no
interior de uma cidade, de um país, de um continente, do mundo, ao <i style="mso-bidi-font-style: normal;">aderir</i> à obra, ao colar-se a ela, marca,
abre ou fecha, expande ou reduz, o seu destino posterior. Mas <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">- e este é o ponto principal - </span>não tem a possibilidade de fazer
dela uma coisa diferente daquilo que ela é e sempre foi, <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">a partir do momento em que <i>é</i>,</span> <span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">em que <i>existe</i></span>.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";">Nesse sentido toda a descrição inicial da nossa exaltação pode regressar - no
seu carácter particular, subjetivo e intersubjetivo (a enorme multiplicidade sensível entre
quem faz, quem realiza e quem ouve, etc) - agora talvez consciente do que significa
ser-obra, tanto para o criador-criado como para o espectador-emancipado. O
mundo deixou de ser o que era até então. <br /><br />António Pinho Vargas, Fevereiro, 2017</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><br />
<br style="mso-special-character: line-break;" />
<br style="mso-special-character: line-break;" />
</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span lang="PT" style="font-family: "arial";"><br style="mso-special-character: line-break;" />
<br style="mso-special-character: line-break;" />
</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><br /></span></div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-35424248752516885942017-02-17T14:57:00.001-08:002017-02-17T14:59:00.724-08:00Esboços para uma pragmática da composiçãoEsboços para uma pragmática da composição ( "work in progress")António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-3215947396795476312016-12-24T06:40:00.001-08:002016-12-30T05:53:05.487-08:00Crise de um modelo ou notícias exageradas sobre a "minha morte"?<div style="text-align: justify;">
Há muitas esferas da actividade humana que podem ser objecto de análises, de investigações e de publicações. No entanto com frequência se verifica que o objecto de análise, se for da ordem do social, do colectivo ou das relações de poder transnacionais, continua submetido às mesmas determinações anteriores sendo o estudo publicado totalmente inútil a não ser como sintoma. Por exemplo, sobre a crise económica que afectou o mundo em 2008 e, em particular, os países do Sul da Europa no período 2010-2014, numerosos livros foram publicados sem conseguirem por si só transformarem a realidade. Se mudanças houve, resultaram de instâncias de poder, de eleições, ou de alterações das relações de força nesse quadro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No mesmo sentido, o meu livro Música e Poder (MP) apresentou uma análise da situação global cultural e dos discursos e das práticas relacionadas com a música portuguesa, a música composta por portugueses. Sendo a situação global dominada pela indústria cultural americana e anglo-americana em alguns aspectos, fazer um estudo sério sobre ela não a altera. Permite verificar uma estado da situação mas, simplesmente, não a muda. Do mesmo modo, o livro de Paul Krugman "End this Depression Now" não provocou nenhuma alteração nas políticas de austeridade seguidas na Europa do euro. A língua em que o livro foi escrito - a língua-franca de hoje, ela própria um signo da dominação - de impacto muito superior a qualquer outra, especialmente uma <i>minor-language</i> como o português, tem importância mas mesmo tendo alcance vasto, não foi suficiente para mudar politicas. São as movimentações sociais que podem forçar alterações na relações de forças e consequentes mudanças politicas e económicas. Foi isto que aconteceu em Portugal com a maioria parlamentar das esquerdas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No campo musical da música erudita da tradição europeia, MP identificou duas instâncias de poder muito claras aos olhos de todos. A dominação global já referida e uma dominação específica nesta área, resultante de dois factores: a existência do cânone musical no ocidente que determina a mudança de uma <i>arte de composição</i> para uma <i>arte de interpretação</i> de música anterior a 1900 (grosso modo) - uma alteração histórica lenta que remonta ao século XIX - e a dominação menos clara, mais opaca, de um conjunto de agentes e instituições relativamente à música composta no século XX e sobretudo hoje - tornada menor pela dominação anterior.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Desse modo a fixidez desse modo de funcionar, tanto como os discursos que o criam - produzem e reproduzem - não se altera facilmente. Aquilo que afecta a música portuguesa afecta igualmente todas as músicas de países periféricos e está muito ligada à figura do compositor-emigrante que assumiu particular importância na segunda metade do século XX. Esta figura torna manifesto, por si só, um determinado espaço de enunciação, dotado de capacidade de absorção, fora do qual se torna difícil viver e trabalhar. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Tendo este processo sido analisado em MP não irei repetir a importância discursiva da assumpção de subalternidade que ali se tornou evidente. Interessa-me aqui salientar o lado historicamente determinado dessa supremacia, a sua concomitância com o proclamado fim da tonalidade e o facto de ser este tipo de discurso que passa por ser uma mera tradução do real. Em boa parte é real. A parte <i>opaca</i> do real é a sua naturalização, como se não houvesse agentes activos e interessados na sua existência e na sua continuação enquanto tal. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A diferença em relação à economia e à política reside no facto de essa prática musical ser observada à distância e com distracção por sociedades que não se revêm nessa prática musical senão numa percentagem diminuta, no máximo 10% da música ouvida em geral no mundo, é dito e, por essa razão, não suscitar nenhuma consciência activa comparável a um corte nos salários e nos rendimentos, como se verifica com toda gente de uma sociedade. A designação "cultura" é hoje demasiado vaga e muitas vezes usada para descrever coisas muito diversas da arte em si. Não suscita interesse nas classes políticas, tal como na sociedade em geral, obnubiladada pelo novo significado de "cultura".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há factores de mudança de idêntica pequenez no quadro geral. O fim do Reseau Varèse em 2015 traduziu eventualmente uma análise dos custos envolvidos pela rede e a sua relativa insignificância real para além dos seus beneficiados ou protegidos. Não creio que na sua origem tenha estado uma reflexão sobre a diferença entre a sua teoria e a sua prática. Esta prosseguia a anterior dominação dos países centrais e de um grupo restrito de compositores associados, em tudo semelhante ao grupo do tempo dos Festivais de Música Contemporânea, criados no pós-guerra e constituídos nessa parte do século XX como nicho restrito e fechado à diversidade das correntes entretanto surgidas, a partir de 1980 sobretudo. No entanto, o seu fim não pode suscitar apenas e sem informações mais detalhadas um repúdio baseado na temática corrente dos "cortes nas cultura". Não se sabe. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso, as periferias em geral, não fazem parte nem dos programas canónicos nem dos programas dos festivais contemporâneos, sendo nos dois casos e locais institucionais, objecto de dominações, de inclusões e exclusões patentes. Ao mesmo tempo, existem numerosos pequenos grupos de instituições e de associações que abrigam as mais diversas práticas musicais para além dos espaços ocupados pelas grandes instituições. Existem compositores que lá apresentam o seu trabalho, muitas vezes usando electrónica, o seu público é tão restrito como fiel e servem como espaços para práticas minoritárias no interior do minoritário. É uma estratégia de sobrevivência e subsiste de acordo com esses desejos e convicções. Nada a censurar. <br />
<br />
Neste quadro, a pulverização da música composta hoje em correntes muito diversas, a sua presença menor nas grandes instituições, seja qual for a sua orientação estética - ocupadas maioritariamente pela música canónica constituída por grandes obras e grandes nomes - e a presença da prática referida naqueles espaços de reduzida expressão, traçam o panorama geral. A regra nestes campos é a estreia seguida de uma outra ou nenhuma apresentação, com poucas excepções.<br />
<br />
Em simultâneo a industria discográfica vive a sua própria crise. De 7 multinacionais há 30 anos hoje restam 3 e muitas pequenas editoras com pouca expressão, dificuldades financeiras e dificuldades de colocação dos discos nas lojas tradicionais. Ao mesmo tempo, verifica-se a terceira mutação tecnológica: ao LP, segui-se o CD e está em curso a passagem para as plataformas digitais e o <i>streaming</i>. Tudo indica que será este o caminho no futuro próximo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao mesmo tempo e de forma algo paradoxal a visão dominante da "cultura" assiste com prazer à mudança dos espaços tradicionais para concertos nas praças das cidades de orquestras que até há pouco tempo nunca teriam pensado fazê-lo. O interpretação deste facto reside na palavra de ordem voluntarista de décadas - "formação de públicos" - que prossegue com o seu prestígio discursivo há mais de 40 anos sem resultados muito palpáveis - e uma inversão táctica de última hora: "se o público não ocorre às salas, então vamos nós tocar onde o público se encontra: a passear nas ruas e a fazer compras no comércio". O facto tem sido muito evidente nos últimos anos embora seja demasiado cedo para tirar quaisquer conclusões, excepto uma: a <i>exaustão</i> do formato tradicional dos concertos tornou-se cada vez mais notória, excepto no topo do <i>star-system</i>, bem como o final das crenças tradicionais na audição concentrada e atenta, em silêncio e em total imersão na música. Outro aspecto novo deve referir-se: a inclusão da música de filmes americanos de sucesso global em programas e salas onde há poucos anos nunca seriam apresentados. <br />
<br />
Se não se vê, neste vasto conjunto de aspectos, uma <i>crise de um modelo</i> não sei o que será necessário acontecer para interpretar tudo isto como sinal de vida esfuziante da "música clássica". O financiamento das instituições, das orquestras, dos teatros - antes sem sinais notórios no período da guerra fria - vai diminuindo sempre, a cada ano que passa, já muito antes da crise ter eclodido. Apenas aumentou de intensidade na última década. Mas, do mesmo modo, não é patente nem indiscutível que a "música clássica" e a sua crise quando não a sua morte, várias vezes anunciada, não se perfila no horizonte. Mudanças sim, mas fim, não creio. <br />
<br />
Importa sublinhar que todos estes processos complexos prosseguem sem que no espaço público se possa dar conta de reflexões de fundo. Ao contrário da economia e da politica, em Portugal - noutros países há livros, estudos e debate público sobre estas matérias - tudo o que dá pelo nome de <i>cultural </i>parece suscitar um temor, um receio, uma dormência colectiva que só pode ser explicada pelo medo que tais temáticas suscitam. A não ser que a insignificância das práticas destas artes e a sua dobra autista sobre si própria seja ainda maior do que nos parece (mau grado o crescente número de concertos, nas ruas nas salas e em muitos locais). <br />
<br />
Nós, os artistas, os compositores, os músicos e muitos agentes de várias outras artes manifestamos o mesmo grau de dormência que os estudiosos disciplinares, em cujos campos se multiplicam os debates e os colóquios sobre outras matérias. Nestas questões, a nossa impotência é idêntica aquela que se manifestou nas mudanças tecnológicas que foram ocorrendo. Mas lutámos pela sobrevivência no meio destas alterações a que vamos assistindo a uma certa distância. Temos uma acção relativamente distante no que respeita às decisões, às condicionantes, às mutações estruturais. <br />
<br />
António Pinho Vargas</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-28191248295172319442016-11-15T03:49:00.001-08:002016-12-24T08:42:35.535-08:00Sobre o artigo de Richar Taruskin "When Serious Music Mattered"<div style="text-align: justify;">
O artigo de Richard Taruskin "When Serious Music Mattered" incluído no livro On Russian Music (2009) começando por ser um escrito sobre a importância da música de Shostakovich na Rússia, o seu modo de escuta naquele país, durante uma visita de estudo que o autor fez no final dos anos 1980 e avançando para uma reflexão muito crítica sobre o ensino da música nos EUA na mesma época, constituiu em si um ponto de partida para pensarmos, não apenas isso - que já seria suficiente - mas, indo mais além, pode servir-nos para alcançar (talvez) uma maior consciência das profundas transformações que ocorreram até hoje no campo da música clássica: os seus modos de escuta, os modos de organização das suas formas e vida institucional no ocidente, a necessidade periódica de irmos atrás no tempo com frequência e reavaliarmos muitos dos adquiridos de cada momento histórico. Os novos olhares sobre o passado são uma das muitas formas de traduzir e refletir as mudanças do presente. Seria muito estranho que tudo no mundo estivesse em crise, em mudanças preocupantes que lançam inúmeras perplexidades e que, ao mesmo tempo, esta prática musical prosseguisse, olímpica, indiferente, estável e não afectada por todas as mudanças sociais, culturais e políticas em curso. Este facto - imaginar uma falsa estabilidade - pode ser um desejo ou uma aparência e surgir como uma imobilidade vista como "eterna" se o nosso olhar for superficial, rápido, distraído ou voluntarista. Mas este artigo de Taruskin serve para nos fazer pensar sobre as diferenças geoculturais, sobre o modo como isso interfere com os nossos juízos de valor precários e sobre o tempo como "grande escultor", que vai desgastando as próprias pedras milenares e alterando o modo como elas se dão ao nosso olhar. Não é apenas o olhar que muda, são as próprias pedras que mudam nas suas formas e transformam ao longo dos séculos. O termo "ruína" deriva do peso que o tempo provoca sobre as coisas. <br />
A resistência a esta constatação de impermanência deriva de um vasto conjunto de crenças sedimentadas e nunca não é fácil de aceitar. Varia de forma notória igualmente com o lugar que cada um ocupa em cada momento. O lugar de onde se olha.</div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-34924967998705585572016-09-16T09:09:00.001-07:002016-09-16T09:09:18.700-07:00Concerto para Viola e Orquestra <a href="https://youtu.be/aGcaG9FP8HM" target="_blank">https://youtu.be/aGcaG9FP8HM</a><br />António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-23783011243243833472016-08-27T03:44:00.000-07:002016-08-27T03:44:06.655-07:00O arquipélago enlouquecido<div style="text-align: justify;">
O arquipélago enlouquecido<br />Uma jovem pianista portuguesa que estuda em Nova Iorque foi convidada pela sua professora de análise musical para assistir a uma apresentação da sua música que ia realizar na Universidade. Feita a apresentação e a audição de alguma música assistiu a algo que caracteriza o arquipélago: os colegas compositores lançaram-se ao ataque com perguntas e críticas ferozes levando a cabo um assassinato público da colega. Comentou comigo que não iria assistir a mais nenhuma evento desse tipo, dada a violência que tinha visto in loco. Mas conhecemos os seus nomes ou a sua música? Não conhecemos. Os EUA são um continente muito vasto no qual muitas correntes com fortes divergências têm no entanto nos seus nichos algumas condições e possibilidades de expressão pública. <br />A expressão em título foi dita por Pedro Memelsdorf - referida nas Cinco Conferências que proferi em 2005 na Culturgest e publicadas em 2008 no livro do mesmo nome - sobre a música de hoje. <br />Disse então: "Vejo a música contemporânea como uma espécie de arquipélago enlouquecido no qual 600 correntes lutam entre si pela primazia". Não conheço melhor descrição deste campo artístico. Fui assistindo nas viagens que pude fazer ao longo da vida a situações semelhantes talvez menos na Holanda, mas bastante mais em Bruxelas (Ars Musica), em Paris ( IRCAM), em Dusseldorf e, com alguma elegância e respeito, nos EUA no Festival Other Minds em S. Francisco em 1999.<br />Qual é a situação de fundo do arquipélago?<br />Trata-se de um campo acossado pelas dominações da música clássica nas salas de concertos, da música global pop-rock nos media, da própria proliferação de tendências no seu interior e ainda pelo aparecimento de outras práticas musicais. Estes factos provocam a luta própria dos campos culturais (Bourdieu) neste caso extremada pela pequenez do micro-mundo e pelas dificuldades de todos os habitantes em geral. Daí resulta uma forte concorrência e tentativas sucessivas de obter lugares de poder, de obter ligações a instituições ou a aquisição do seu favoritismo e um imaginário-do centro que perpassa diariamente nas instituições do ensino no mundo ocidental. Uma viagem pelo YouTube mostra a extrema diversidade actual e coexistência no tempo das maiores diferenças face àquilo que a música é nos diversos casos. Mas só a visão interna - como no caso da universidade nova-iorquina - permite aferir da violência dessas querelas. Este panorama que se reproduz em todos os países em diversos graus - e quanto mais pequeno é, mais facilmente se verifica a instituição de verdadeiras guerras civis inter-pares sem nenhuma possibilidade de outra coisa que não monólogos e dissensões irremediáveis. Foi previsto em 1963 por Leonard B. Meyer, como algo de possível num futuro próximo, uma coexistência no tempo de muitas tendências estilísticas, até mesmo no interior de uma obra, tudo acompanhado por querelas intermináveis. Perante este estado de coisas declaro a minha total incapacidade e nenhum desejo de impor ou sequer sugerir uma qualquer orientação, que não de atitude séria. Nesse sentido nas aulas admito todas as tendências e tenho a veleidade de pensar poder ser útil face a uma obra em gestação seja qual for o seu ponto de partida ou a sua "estética". Muitas determinações podem estar por trás de cada uma. Cabe ao futuro, à realidade, dar respostas às ansiedades criativas naturais do início.<br />Dito isto, em primeiro lugar, não tenho nenhuma vontade de lutar por postos de poder ou posições similares (a idade para isso já passou e a vontade nunca foi grande), acredito na autenticidade eventualmente presente nas obras (mas não dispondo de meios discursivos para a demonstrar - mas será sequer demonstrável? -) em segundo lugar, assisto a uma distância higiénica possível aos esforços persistentes de quem acredita nesse caminho e nas suas vantagens - por vezes límpidas e visíveis, se observadas do exterior - e, em terceiro lugar, declaro desde já a minha derrota nesse tipo de querelas. Não estou motivado para tais debates circulares, muitas vezes plenos de preconceitos e, por isso, destinados a serem intermináveis, não podendo colocar-me de fora, admito, de tais descrições. Terei os meus preconceitos como todos os outros. Tenho algumas convicções mas tento não fazer delas medida de todas as coisas. Faço o meu trabalho enquanto tiver vontade, condições e motivação para ele. Depois de 45 anos de duas vidas musicais considero-me satisfeito e com sorte.<br />Vejo hoje o meu livro Música e Poder como tendo sido uma boa investigação, plena de dados, factos e discursos que prosseguem no real, tanto como penso ser um livro completamente inútil, sem nenhum efeito prático, transformador. O campo dos dispositivos de poder, politico, económico e cultural nunca cedem o poder que possuem. Tal como um livro sobre as contradições do capitalismo não acaba com o dito apenas porque foi escrito. Apenas o social global poderá actuar sobre o estado do mundo e não se vislumbra ainda alternativa global capaz de enfrentar a dominante. <br />No nosso pequeno mundo da composição de hoje - que julgo conhecer bem - sinto uma espécie de reprodução infinita dos efeitos do "arquipélago enlouquecido" e é esse aspecto que me afasta das suas querelas. Recuso muitos convites para conferências ou colóquios - tenho de aceitar uns poucos, enfim - justamente pelo efectivo cansaço das mesmas discussões, no essencial, as mesmas de sempre, sempre idênticas apesar das novas formas, nas últimas décadas. De cada vez procuro encontrar "uma outra coisa" mas nem sempre consigo. Não é fácil.<br />APV<br /></div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-63526386526485519062016-08-20T10:21:00.000-07:002016-08-21T01:32:12.791-07:00Poder e compor. Uma análise possível sobre diversos modos de estar neste campo de produção cultural.<div style="text-align: justify;">
Um compositor pode muito bem constituir para si próprio uma rede de influência, uma rede de poder que resulte da acumulação de vários cargos ou do favoritismo de instituições. Já aconteceu no passado e acontecerá no futuro (cf. 1 sobre Lully e Boulez).<br />
Subsiste para ele no entanto um problema: apesar de poder talvez ganhar mais dinheiro e/ou prestígio, há um facto que não irá conseguir evitar nem ultrapassar: terá de continuar a compor. E será nessa medida que uma <i>verdade</i>, uma <i>autenticidade</i> ou <i>intensidade</i> presente na música realmente feita virá consumar (ou não) o artista, definir o compositor, mostrar o que ele <i>tem a dizer</i>, em termos muito diferentes daqueles conseguidos pelo poder adquirido. Essa definição não se mede em cargos nem em poder. Mede-se na arte em relação a milhões de outros no mundo (mesmo se distantes e inseridos nas suas culturas próprias, como é sempre o caso).<br />
É uma evidência que seria desnecessário referir que podendo vislumbrar estes efeitos, dados os seus antecedentes históricos, aquilo que para mim constitui "uma verdade", não é um <i>universal</i>, é apenas a minha opinião sobre uma matéria que nunca poderá constituir um consenso. Como descortinar uma verdade, uma intensidade? Como pode uma obra elevar-se a um <i>ser-autêntico</i> que constituirá uma obra de arte? Como se pode sequer argumentar? A estas questões apenas se podem dar respostas individuais que valem para quem as dá. A questão em si, no entanto, pode ser levantada, sejam quais forem as multiplicidades das respostas possíveis, certamente diversas e contraditórias entre si. Se assim não fosse compor seria fácil: sabíamos antecipadamente como chegar a esse patamar que se busca e o mundo seria monótono, descolorido e muito previsível.<br />
Esta prática musical vive há algumas décadas nas margens da vida cultural. Gostaria de assinalar três aspectos. Nas televisões nunca foi muito visível nem sequer importante; nos jornais, nos últimos 20 anos, perdeu largo terreno no espaço público numa enorme dimensão. Em segundo lugar, todos nós, compositores, somos professores, quase sem excepção. Se no momento da estreia ou do concerto, continuamos a agir e sentir como professores, não somos aquilo que era suposto sermos: artistas. Nessa actividade pedagógica vivemos uma espécie de vida imaginária em torno das nossas diferenças e divergências, enquanto que o "mundo lá fora" manifesta total distracção face a ela excepto nos poucos seguidores desta prática musical. Mas no momento do concerto da obra essa actividade terá se ser, por assim dizer, suspensa. Se não for será mau sinal. Este é um aspecto mais discreto de existência-nas-margens.<br />
Este facto, o isolamento social, o divórcio próprio dos nichos, favorece que no submundo seja possível que tudo se passe sem nenhuma agitação, nenhum escrutínio e deste modo é possível que aqueles micro-poderes existam sem serem sequer notados. <br />
É um micro-mundo que vive dobrado sobre si próprio e tende a ignorar o exterior tal como este - no seu desinteresse patente - ignora o interior. Uma segunda consequência daqui deriva. A expulsão do espaço público não se faz notar. As novas obras sucedem-se sem notícia, nem consequência. A dominação dos festivais pop-rock, nos quais existirá genuína criatividade, ocupa na quase totalidade o espaço público. Então o micro-mundo de que falo cria estruturas que lhe tentam dar realidade: numerosos prémios de composição proliferam no mundo sem uma relação visível com a vida musical propriamente dita. Uma estreia eventual seguida de descarte é a regra. Os poderes institucionais deste sub-campo administram esta zona de actividade musical de igual modo, na sua esfera própria, distribuindo financiamentos e os subsídios conforme os casos. Redes de micro-poder aproveitam este afastamento da realidade para constituírem um campo de luta intensa pelos melhores recursos e assim vão subsistindo. <br />
Em terceiro lugar, na esfera pública, em alguns casos, é notícia a execução de uma obra noutro país, com um certo aparato, sem considerar que, nesse outro país, os problemas são idênticos e a irrelevância permanece enorme. <br />
Além disso, nenhuma obra musical deixa de ser como é - idêntica a si própria desde a sua geração - por maior ou mais prestigiada que possa ser a sua viagem. Este aspecto é subestimado na nossa cultura que busca sempre uma legitimidade fora de si mesma, por incapacidade ou insegurança secular. Para assegurar a verdade deste facto posso afirmar que algumas das minhas obras que circularam fora deste país, ficaram exactamente iguais ao que eram antes. Não sofreram nenhuma melhoria ou outro tipo de alteração no seu ser próprio. São aquilo que são, ao contrário do que para alguns parece ser evidente: ficaram melhores. É falso. São iguais. A única diferença reside numa notícia geocultural.<br />
Nas artes existe a zona do submundo que o administra e a zona da arte ela própria. Se o primeiro nível poderá afetar talvez os rendimentos dos compositores, os seus proventos - sempre parcos, o que ajuda a compreender a busca de poder descrita - o facto é que é na obra feita que se manifesta a sua verdade e não noutro lugar. Aquilo que ela é. É nela que temos de concentrar a nossa máxima energia criativa, a nossa liberdade, a nossa maior capacidade de criar uma expressão artística, mesmo correndo o risco sempre à espreita da contingência. Se distribuirmos o nosso tempo e a nossa energia criativa pelas zonas do poder iremos pagar o preço de nos poder vir a faltar a capacidade de compor [potentia] de forma "autêntica". Estou persuadido que esse aspecto - de difícil definição - é percepcionado pelos ouvintes, mesmo para além das questões de gosto. Não estou a referir os ouvintes que fazem parte de grupos de gosto ou de influência - neste caso são determinados por factores externos às obras ou factores de pertença a zonas decisórias com interesses concumitantes - mas aqueles que na sua atitude de "amor pela música" sem outras determinações, compram o seu bilhete para ir ao concerto. Manifestam-se lá e guardam na memória (ou não). Não mentem. Não me lembro de ver um público a mentir no final de uma peça. Posso, por exemplo, sentir os aplausos do público em geral e uma fila que aplaude com maior intensidade e se destaca. Olhando, verifico que é constituída por alguns membros da entidade europeia que dirige a organização que fez a encomenda em questão. Nesse sentido são aplausos que se dirigem a si próprios, à excelência da sua escolha, muito mais do que à obra. Se o contraste for grande é clara a determinação prévia, exterior e, mesmo, anterior à obra. <br />
Na encenação que pode seguir-se será talvez diferente. Mas é já uma outra coisa que se está a passar.<br />
<br />
1. Uma breve nota histórica sobre compositores e poder: Jean-Baptiste Lully, compositor da corte de Luís XIV, foi longos anos o favorito do Rei-Sol e segundo R. Taruskin, "em nenhum outro lugar da Europa nenhum compositor de óperas foi exaltado como símbolo do gosto do rei, mas também da sua autoridade. E autoridade era aquilo que importava na música francesa [that french music was all about], e as óperas de Lully acima de todas" (Oxford History of Western Music, 2010, vol II: 86). De igual modo, novamente de França, há o conhecido exemplo recente do imenso prestígio e poder de Pierre Boulez, da sua relação de favorito apoiado pela Mde Pompidou na construção do IRCAM no Centro Georges Pompidou e, nos anos que se seguiram, director de numerosas instituições, ao ponto do historiador argentino Diego Fisherman - cito um entre muitos possíveis - o ter qualificado de forma simbólica eloquente como "uma espécie de Ministro da Música da Europa". (<i>La Música del siglo XX</i>, 1998, Buenos Aires). Em relação a poder exercido por compositores haveria outros exemplos a dar. Estes são talvez os casos mais notórios de um verdadeiro poder absoluto. </div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6550670845417812010.post-46941043935683044652016-07-25T14:14:00.002-07:002016-07-25T14:28:32.764-07:00Critica ao CD Drumming GP plays António Pinho Vargas na Journal Percussive Notes (USA)<style>
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<h2 class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span lang="EN-GB" style="color: black; font-family: "helvetica";">Step by Step</span></span></h2>
<div style="text-align: justify;">
<h2>
<span style="font-size: small;">
</span></h2>
</div>
<h2 class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span lang="EN-GB" style="color: black; font-family: "helvetica";">Drumming
Grupo de Percussão JACC Records </span></span></h2>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;">
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;">
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span lang="EN-GB" style="color: black; font-family: "helvetica";"> This recording by the Portuguese
ensemble Drumming GP is dedicated to compositions of António Pinho Vargas.
Originally know for his contributions to jazz, Vargas's work for percussion is
quite impressive and striking.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;">
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span lang="EN-GB" style="color: black; font-family: "helvetica";"> "Estudos e Interlúdios" is
a wonderful piece for seven players. Vargas Invites the listener into several
different compositional spectrums. In between these ideas are theree wonderful
interludes for multiple tam tams. This a pice is a gem and its played
magnificently. Miquel Bernat's solo vibraphone performance on "Políticas
da Amizade" is quite stunning, as it is Sérgio Carolino tuba playing on
"Arias de ópera para Tuba e Percussão". The recording ends with
Vargas's piece, "Step by Step", a tribute to Steppenwolf's "Born
to be Wild". </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span lang="EN-GB" style="color: black; font-family: "helvetica";"><br /> There is no doubt that António Pinho Vargas is a wonderful and thoughtful
composer. Drumming GP's performance is the of the highest caliber in this
recording. Everybody holding sticks should check this out.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;">
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span lang="EN-GB" style="color: black; font-family: "helvetica";">- Brett William Dietz</span></span><span lang="EN-GB" style="mso-ansi-language: EN-GB;"></span></div>
António Pinho Vargashttp://www.blogger.com/profile/10770351909424406812noreply@blogger.com0