terça-feira, 24 de novembro de 2020

Nota sobre Angst (2020)

 Nota sobre Angst (2020)

A peça para violino solo Angst foi composta na sequência do convite da exposição “De casa para um mundo” da Bienal de Arte de Cerveira propondo uma interacção sucessiva de três formas de expressão artística.  Assim, recebi primeiro o texto de Francisco Duarte Mangas, depois a imagem de Graça Pereira Coutinho e cabia-me compor uma pequena peça musical.

 

A própria exposição será o momento real da interacção. Ler, olhar e ouvir. A esse desafio procurei responder com Angst. Vivemos o confinamento como situação extrema, como estado de emergência ou, com Walter Benjamin, “estado de excepção”. Vivemos ainda a pandemia com temores. Nenhum de nós viveu até hoje nenhuma situação semelhante ainda menos com esta amplitude global. Uma interrupção brutal do modo da vida em sociedade até então “normal” cujas consequências ainda não podemos senão vislumbrar. 

 

Foi dessa sensação de mal-estar difuso que parti. O compositor tem a sua ideia-metáfora, define os seus materiais e as suas regras para cada obra; lança-se no ar, naquilo que ainda não existe mas talvez venha a existir

 

Ter estas ideias e referências iniciais, ter um tal título, deu origem a  algumas determinações da música. Angst alterna três elementos principais: notas longas (uma ou duas) de diferentes durações, grupos de valores rápidos com várias figuras rítmicas e ainda silêncios recorrentes. Estes três elementos, nas suas diversas realizações e interações em transformação no desenrolar temporal até ao primeiro e ao segundo climax, estão presentes do início ao fim da obra e marcam a sua realidade. O discurso musical assim sistematicamente interrompido ou tripartido, sendo os próprios silêncios variados com pausas e fermatas de duração indeterminada, constituiu a realização que fui capaz de compor, o passar da ideia-metáfora inicial para pôr-em-obra uma possível concretização da angústia, tão frequentemente associada à criação artística em geral, não sem alguma razão. Agradeço a Tamila Kharambura a sua grande generosidade e a sua excelência na verdadeira recriação desta obra.

António Pinho Vargas