sábado, 16 de outubro de 2010

Como mudar? III

O que mais me encanita é a incapacidade de mudar que sempre se tem mantido e se continua a manter. Teremos de esperar pela "volta do mar" a expectativa que os navegadores portugueses tinham de que continuando a descer o Atlântico devia acabar por aparecer um sítio em os ventos invertiam o seu sentido, conta-nos Peter Sloterdijk. (Não é engano). Sem essa crença numa possibilidade incerta, sem a coragem que a sua busca implicava - a verdadeira heroicidade colectiva, pensada, calculada como hipótese, mas com grandes riscos - hoje não haveria globalização, capialismo etc. Quem sabe e fala disto? É Sloterdijk. Nós não falamos disto.

Há a desorientação da esquerda. Ou é velha, ineficaz, às vezes estúpida (que me desculpem os que lá trabalham o melhor que podem) ou converteu-se às teorias económicas da direita europeia. Mesmo assim sobra-me uma interrogação: porque é que os partidos da direita querem tanto o poder? Será para baixar os impostos (deixem-me rir um minutinho...)? Ou para fazer como o Durão que depois de chegar ao poder argumentou que antes "não sabia em que estado aquilo estava". Depois de sair ficou pior. Mas foi premiado. Regressa o PS. Porque é que o PS age como se fosse obrigatório - there is no other way (dizia Margaret Tachter) - fazer a mesma política quase sem diferenças, esta politica que faz sempre que tem o poder? Acham que neste mundo em que os "mercados" (um nome para o funcionamento actual do capitalismo global) se tornaram entidades dotadas de desejo, de humores, espaços invisíveis dos quais comandam os destinos de milhões de pessoas alguém gosta de viver? Não há alternativa como dizia a ilustre fundadora das politicas neoliberais? A soberania dos governos locais é uma ficção nas grandes questões. Só serve para colocar alguns amigos em certas funções.

Vive-se sem democracia argumentativa. São sempre os mesmo a falar (e ganham muito bem). Ocupam praticamente todo o (reduzido) espaço público e transformam-no numa tribuna permanente a dizer as mesmas coisas. Haverá alguém - para além dos gestores das grandes corporações globais - que goste de viver neste mundo, repito? Aliás nem percebo bem porque estou aqui a escrever estas coisas. Será este o espaço dito público que nos resta? Há alguma coisa de profundamente errado nisto e não há quem nos mostre uma saída, quem nos dê uma esperança qualquer... Já sabemos que Marx se enganou em muitas coisas, sobretudo quando se imaginou "cientista", julgou ter descoberto "necessidades históricas" e pensou que o agente da transformação histórica seria o "proletariado". Wallerstein pensa que algo vai mudar - crise terminal do capitalismo - depois desta fase de transição que irá demorar entre 25 e 50 anos sendo nós - as pessoas, os movimentos sociais, os governantes - a ter o papel decisivo naquilo que vier. E previne: o que vier ou será mais justo, menos desigual, ou pode muito bem ser ainda pior. Cabe às pessoas decidir. Mas como contribuir para isso? Agir como ? Votando? Duvido muito. Em manifs à pancada com a polícia como em França e na Grécia? Paralisando o mundo com uma greve geral ilimitada? Legalizando a droga como propõe Vargas Llosa? (Sabe-se que é uma parte importantíssima da economia subterrânea e que está, diz-se, intimamente ligada com a oficial). Será que já estão em marcha silenciosa os movimentos sociais de que falou Boaventura (são sempre movimentos sociais que são capazes de tranformar).

A temporalidade de Wallerstein - até meio século - coloca-me já fora da nova estabilidade que se costuma seguir aos períodos de turbulência como este. Tenho pena porque gostava de ver como se vai passar disto para um novo período estável.

Porque é que ninguém pergunta aos especialistas do capitalismo coisas simples que desorientem e descentrem os discursos tipificados diários: "Qual é, para si, o sentido da vida? É o facto de a acumulação infinita de capital ser um fim em si mesmo? O que significa produção de riqueza? Para que é que serve a riqueza produzida? Para comprar helicópteros? Qual é para si o papel da arte? Qual será o seu significado profundo? Porque é que há arte? Você "investe" em arte? Porque é que quer ter em casa "um Picasso" ou "um Bacon" e paga milhões para isso. Pela prazer da posse? Pela distinção cultural que a posse da arte confere? Sabe uma coisa? Eu também faço arte, chama-se música mas você não pode pendurá-la na parede, lamento

domingo, 3 de outubro de 2010

António Pinho Vargas: Portugal "não existe" no cânone musical europeu

“A música portuguesa tem uma existência muito residual fora de Portugal e não é bem tratada dentro de Portugal”, diz o compositor.

in Renascença . Música e informação.

http://www.rr.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=96&did=121516



“Quando as pessoas me perguntam sobre o que é a tese do meu doutoramento, por vezes respondo que estou a tentar provar que a minha vida não serve para nada”, disse António Pinho Vargas à Notícias Magazine, em Junho de 2008. A tese foi defendida pelo compositor ontem, na Universidade de Coimbra, e aprovada com distinção e louvor por unanimidade.

A “boutade” e o “desabafo” de 2008 referiam-se “às dificuldades que caracterizam” a vida de Vargas “e a dos compositores portugueses em geral”. Esses obstáculos foram alvo da investigação “Música e Poder: Para uma sociologia da ausência da música portuguesa no contexto europeu”. Será publicada em livro em 2011.

Nas várias histórias da música ocidental, que ajudam a enformar a “visão do mundo” dos alunos de música, Portugal “não existe” ou merece apenas “duas linhas dentro do quadro dos nacionalismos” musicais do século XIX. “A música portuguesa tem uma existência muito residual fora de Portugal e não é bem tratada dentro de Portugal”, diz à Renascença.

Foi para perceber as razões desta persistente posição subalterna, com raízes em séculos anteriores e que se prolongou até aos nossos dias, que Vargas se lançou à investigação. Concluiu que no século XIX os países do norte da Europa se afirmaram face aos do sul. “Portugal, a partir dessa altura, tal como Espanha, foi ‘retirado’ da Europa”, diz. No século XX, “os regimes de Salazar e de Franco aprofundaram essa separação”.

Nenhuma figura da música portuguesa consta do cânone da tradição erudita europeia, uma “construção ideológica” produzida pelos países dominantes dos séculos XIX e XX. Os compositores portugueses enfrentavam uma barreira poderosa que os condenava a uma condição de “inferioridade”: “tinham de mostrar um sabor étnico”, que seria um suposto “cartão de entrada”, não fosse, ao mesmo tempo, um obstáculo para a “universalidade” (outra “construção ideológica”) de uma obra.

A força do cânone

A situação é particularmente grave, diz Pinho Vargas, porque “essa visão do mundo é partilhada pelos próprios programadores culturais dos países excluídos”, como é o caso de Portugal. E exemplifica: a temporada no grande auditório da Gulbenkian inclui apenas uma apresentação de uma obra portuguesa. “Não há nada no mundo que não mude, mas o poder do cânone é a sua capacidade de resistir”, diz.

Pior: se é verdade que “nos últimos 20 anos houve maior quantidade e mesmo qualidade” das peças encomendadas a portugueses, elas “destinam-se apenas à estreia ou, com sorte, a duas ou três repetições”. Cerca de 90% das programações são preenchidas por obras do cânone, nenhuma delas portuguesa.

“Há um combate muito difícil a travar”, por exemplo, “no ensino, no sentido de contar a história verdadeira e não a mítica”, diz. “É necessário contar uma história que sublinhe a sua própria localização”, refere. Este combate é importante para que os compositores do futuro possam “defender o seu trabalho”.



Pedro Rios