O que mais me encanita é a incapacidade de mudar que sempre se tem mantido e se continua a manter. Teremos de esperar pela "volta do mar" a expectativa que os navegadores portugueses tinham de que continuando a descer o Atlântico devia acabar por aparecer um sítio em os ventos invertiam o seu sentido, conta-nos Peter Sloterdijk. (Não é engano). Sem essa crença numa possibilidade incerta, sem a coragem que a sua busca implicava - a verdadeira heroicidade colectiva, pensada, calculada como hipótese, mas com grandes riscos - hoje não haveria globalização, capialismo etc. Quem sabe e fala disto? É Sloterdijk. Nós não falamos disto.
Há a desorientação da esquerda. Ou é velha, ineficaz, às vezes estúpida (que me desculpem os que lá trabalham o melhor que podem) ou converteu-se às teorias económicas da direita europeia. Mesmo assim sobra-me uma interrogação: porque é que os partidos da direita querem tanto o poder? Será para baixar os impostos (deixem-me rir um minutinho...)? Ou para fazer como o Durão que depois de chegar ao poder argumentou que antes "não sabia em que estado aquilo estava". Depois de sair ficou pior. Mas foi premiado. Regressa o PS. Porque é que o PS age como se fosse obrigatório - there is no other way (dizia Margaret Tachter) - fazer a mesma política quase sem diferenças, esta politica que faz sempre que tem o poder? Acham que neste mundo em que os "mercados" (um nome para o funcionamento actual do capitalismo global) se tornaram entidades dotadas de desejo, de humores, espaços invisíveis dos quais comandam os destinos de milhões de pessoas alguém gosta de viver? Não há alternativa como dizia a ilustre fundadora das politicas neoliberais? A soberania dos governos locais é uma ficção nas grandes questões. Só serve para colocar alguns amigos em certas funções.
Vive-se sem democracia argumentativa. São sempre os mesmo a falar (e ganham muito bem). Ocupam praticamente todo o (reduzido) espaço público e transformam-no numa tribuna permanente a dizer as mesmas coisas. Haverá alguém - para além dos gestores das grandes corporações globais - que goste de viver neste mundo, repito? Aliás nem percebo bem porque estou aqui a escrever estas coisas. Será este o espaço dito público que nos resta? Há alguma coisa de profundamente errado nisto e não há quem nos mostre uma saída, quem nos dê uma esperança qualquer... Já sabemos que Marx se enganou em muitas coisas, sobretudo quando se imaginou "cientista", julgou ter descoberto "necessidades históricas" e pensou que o agente da transformação histórica seria o "proletariado". Wallerstein pensa que algo vai mudar - crise terminal do capitalismo - depois desta fase de transição que irá demorar entre 25 e 50 anos sendo nós - as pessoas, os movimentos sociais, os governantes - a ter o papel decisivo naquilo que vier. E previne: o que vier ou será mais justo, menos desigual, ou pode muito bem ser ainda pior. Cabe às pessoas decidir. Mas como contribuir para isso? Agir como ? Votando? Duvido muito. Em manifs à pancada com a polícia como em França e na Grécia? Paralisando o mundo com uma greve geral ilimitada? Legalizando a droga como propõe Vargas Llosa? (Sabe-se que é uma parte importantíssima da economia subterrânea e que está, diz-se, intimamente ligada com a oficial). Será que já estão em marcha silenciosa os movimentos sociais de que falou Boaventura (são sempre movimentos sociais que são capazes de tranformar).
A temporalidade de Wallerstein - até meio século - coloca-me já fora da nova estabilidade que se costuma seguir aos períodos de turbulência como este. Tenho pena porque gostava de ver como se vai passar disto para um novo período estável.