domingo, 3 de outubro de 2010

António Pinho Vargas: Portugal "não existe" no cânone musical europeu

“A música portuguesa tem uma existência muito residual fora de Portugal e não é bem tratada dentro de Portugal”, diz o compositor.

in Renascença . Música e informação.

http://www.rr.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=96&did=121516



“Quando as pessoas me perguntam sobre o que é a tese do meu doutoramento, por vezes respondo que estou a tentar provar que a minha vida não serve para nada”, disse António Pinho Vargas à Notícias Magazine, em Junho de 2008. A tese foi defendida pelo compositor ontem, na Universidade de Coimbra, e aprovada com distinção e louvor por unanimidade.

A “boutade” e o “desabafo” de 2008 referiam-se “às dificuldades que caracterizam” a vida de Vargas “e a dos compositores portugueses em geral”. Esses obstáculos foram alvo da investigação “Música e Poder: Para uma sociologia da ausência da música portuguesa no contexto europeu”. Será publicada em livro em 2011.

Nas várias histórias da música ocidental, que ajudam a enformar a “visão do mundo” dos alunos de música, Portugal “não existe” ou merece apenas “duas linhas dentro do quadro dos nacionalismos” musicais do século XIX. “A música portuguesa tem uma existência muito residual fora de Portugal e não é bem tratada dentro de Portugal”, diz à Renascença.

Foi para perceber as razões desta persistente posição subalterna, com raízes em séculos anteriores e que se prolongou até aos nossos dias, que Vargas se lançou à investigação. Concluiu que no século XIX os países do norte da Europa se afirmaram face aos do sul. “Portugal, a partir dessa altura, tal como Espanha, foi ‘retirado’ da Europa”, diz. No século XX, “os regimes de Salazar e de Franco aprofundaram essa separação”.

Nenhuma figura da música portuguesa consta do cânone da tradição erudita europeia, uma “construção ideológica” produzida pelos países dominantes dos séculos XIX e XX. Os compositores portugueses enfrentavam uma barreira poderosa que os condenava a uma condição de “inferioridade”: “tinham de mostrar um sabor étnico”, que seria um suposto “cartão de entrada”, não fosse, ao mesmo tempo, um obstáculo para a “universalidade” (outra “construção ideológica”) de uma obra.

A força do cânone

A situação é particularmente grave, diz Pinho Vargas, porque “essa visão do mundo é partilhada pelos próprios programadores culturais dos países excluídos”, como é o caso de Portugal. E exemplifica: a temporada no grande auditório da Gulbenkian inclui apenas uma apresentação de uma obra portuguesa. “Não há nada no mundo que não mude, mas o poder do cânone é a sua capacidade de resistir”, diz.

Pior: se é verdade que “nos últimos 20 anos houve maior quantidade e mesmo qualidade” das peças encomendadas a portugueses, elas “destinam-se apenas à estreia ou, com sorte, a duas ou três repetições”. Cerca de 90% das programações são preenchidas por obras do cânone, nenhuma delas portuguesa.

“Há um combate muito difícil a travar”, por exemplo, “no ensino, no sentido de contar a história verdadeira e não a mítica”, diz. “É necessário contar uma história que sublinhe a sua própria localização”, refere. Este combate é importante para que os compositores do futuro possam “defender o seu trabalho”.



Pedro Rios

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