Sobre a questão dos juizos de valor estéticos talvez o pedaço de prosa mais importante que li nos largos últimos anos está no livro “Paixão Intacta” de George Steiner (em francês “Passions Impunies” e em inglês “No Passion Spent”).
Fiquei em estado de choque quando li por duas razões: primeiro, porque pude avaliar retrospectivamente de que forma era verdade para mim o que estava escrito; segundo, porque tomei consciência de quanto tempo tinha perdido em discussões infinitas na expectativa de convencer o adversário momentâneo das minhas razões com resultados nulos.
Diz então Steiner: “A relatividade, a arbitrariedade de todas as propostas estéticas de todos os juizos de avaliação é inerente à percepção humana e ao discurso humano. Pode-se dizer seja o que for a respeito do que quer que seja. A asserção de que Rei Lear de Shakespeare “não merece uma criíica séria (Tolstoi) , e a descoberta de que Mozart compõe apenas trivialidades são totalmente irrefutáveis. Não podem ser desmentidas nem numa base formal (lógica) nem na sua essência existencial. As filosofias estéticas, as teorias críticas, as construções do “clássico” ou do “canónico” nunca podem ser senão mais ou menos persuasivas, mais ou menos abrangentes, mais ou menos descrições derivadas deste ou daquele processo de preferência. Uma teoria crítica, uma estética, é uma política do gosto. Procura sistematizar [... mas] não pode haver prova nem refutação. […] Nenhuma proposta estética pode ser designada como “certa” ou “errada”. A única reacção adequada é a concordância ou a discordãncia pessoal". (38)
Julgo que Steiner está certo nesta posição, tanto como creio que ninguém a aplica na sua vida quotidiana. Esta posição contraria a posição implícita que motiva milhares de debates que ocorrem diariamente; toda a gente parte e pratica o ponto de vista contrário: confia no discurso como meio de rebater as posições diversas e atingir a "vitória" através da retórica usada. Penso que nunca dá resultado senão por desistência passageira do opositor (que no fundo continua convencido da justeza das suas posições). Este lado óbvio dos limites da linguagem humana tem algo de assustador e contraria as nossas práticas quotidianas de tentativas sucessivas de persuasão através do uso dos argumentos.
Mas, como diz Steiner, “pode-se dizer” (e diz-se) “seja o que for a respeito do que quer que seja” sem nenhumas consequências para o próprio, por maior que seja o disparate dito, do nosso ponto de vista.
Não há senão a opção de viver com isto.
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