sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Porque é que os argumentos de Cavaco Silva para não demitir o governo são falsos?

  Nos últimos meses tem sido relativamente claro que a visão do Presidente da República e a do Governo estão longe de coincidir. Caso após caso verifica-se uma diferença -  ténue ou enorme, conforme as questões -  de posição. Então porque é que Cavaco  não demite o governo? Tento aqui apresentar uma lista de razões que são apresentadas pelos que não querem a demissão do governo. Trata-se de tentar fazer passar como evidências quando não passam de ficcções.

1- Portugal está sob ajuda externa.  Marcar eleições iria ser um desastre
  
Este argumento é, no essencial, antidemocrático. Houve eleições em França, houve eleições em Espanha, países que não estando “resgatados", estavam face a dificuldades claras. Mas na Grécia houve eleições – duas vezes –e só não houve antes um referendo, porque os europeus da CE entraram em pânico anti-democrático. Mesmo assim é o que se tem visto. Nem com este governo, nem depois de aprovado no Parlamento Grego o novo (?) plano de resgate, o dinheiro da Troika vai para lá. Até Manuela Ferreira Leite afirma que apesar de tudo isto “a Grécia ainda existe”. Isto demonstra que não é o facto de haver ou não haver eleições que determina o que quer que seja. A questão base é, parece-me assegurar os juros dos bancos alemães e europeus, acima de tudo. Por mais que a crise se aprofunde disto é que não abdicam.

2- Ficar sem orçamento de estado ia ser um desastre. Não se pode negociar.

Outro argumento falacioso. E ficar com este orçamento vai ser bom? Quanto toda a esquerda, e muitos outras instâncias oficiais, para além de muitas ilustres personalidades da área política do governo reclamam que este orçamento irá ser – ele sim – um modo de conduzir à catástrofe, para além de ser talvez inconstitucional, usar este argumento é erro crasso e falsidade. Erro crasso porque no futuro irá dificultar qualquer negociação do plano. Falsidade, porque com todos os dados que existem, com todas as posições que tem sido tomadas publicamente, inverter a questão dizendo que sem orçamento seria um desastre, resulta de má fé. Com este orçamento é que vai ser um desastre, diz meio mundo. Não poderá dizer que não o avisaram.

3- Cabe ao governo governar e tem legitimidade para o fazer.

Também o governo de Sócrates tinha legitimidade quando Cavaco fez o discurso que deu sinal/ordem ao PSD para não aprovar o PEC IV e derrubar o governo minoritário com o famoso argumento “há limites para os sacrifícios”.
E agora, já não há limites? Por muito menos do que “isto” Sampaio demitiu o governo incompetente do saudoso Santana Lopes e fez bem. Mas Cavaco tem muito mais medo, porque o resultado iria ser o mesmo: derrota do PSD. A legitimidade perde-se quando o exercício do poder é autista. Este governo ao recusar fazer qualquer esforço para negociar com as instâncias superiores da Troika, procura disfarçar que não conseguiu cumprir os seus próprios objectivos. Perde legitimidade. Tem legitimidade formal mas não tem legitimidade substancial. É uma espécie de Cavalo de Tróia da pequena troika. Não faz aquilo que todos os outros governos do sul da Europa têm feito. Tentar melhores condições, melhores juros, etc.  Por isso, uma das verdadeiras razões para não demitir é o facto de havendo eleições a derrota do “seu” partido ser mais que certa. 

Que outras razões obscuras lhe assistem? Medo de vinganças eventuais dos “seus amigos do BPN”, como dizia o peculiar candidato presidencial? Continua à espera que os que falam publicamente em seu nome – Ferreira Leite e vários outros da área do PSD, e mesmo conselheiros de estado – convençam o governo “morto” – mas afinal  vivo – a mudar de rumo? Não me parece. De cada vez que Cavaco fala, Passos e Gaspar estão-se nas tintas para o que ele diz e, algumas vezes  fazem logo a seguir o contrário.
Ontem (8-11), António Costa afirmou que, em Março do próximo ano, caso não actue, o Presidente terá de enfrentar “uma espécie de levantamento popular”, por não ter exercido os seus poderes na altura devida.  Cavaco parece ter muito menos medo disso do que de demitir o governo. O que será que lhe ata as mãos e o eventual raciocínio?

António Pinho Vargas

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O crédito está no centro da crise mundial

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O crédito está no centro da crise mundial.

O crédito está também no centro da crise em Portugal. Lembram-se da ida em bloco dos banqueiros a Sócrates que levou ao pedido de “ajuda externa”? Sócrates resistiu o mais que pode ao resgate, isso ninguém pode negar. Mas o PEC IV – que Merkel aprovou, lembram-se? – não foi aprovado na Assembleia e levou à queda do governo. Consta que, quando Ferreira dos Santos lhe colocou o resgate como obrigatório ou teria de pedir a demissão, Sócrates lhe atirou com o telemóvel. Mau feitio. Mas a ideia de tentar evitar o resgate não era estúpida, como temos visto. 
Vindo o resgate tão reclamado os primeiros a ficarem satisfeitos foram os banqueiros. Hoje financiam-se a 1% e financiam o Estado a 5%. ou próximo disso, segundo tenho lido. Belo negócio. É injusto e incorreto. Não poderia ser de outro modo?
Apesar de todas as ameaças, a Grécia continua a negociar mais um resgate. Dizem que não, que não pode ser, mas lá vai mais um resgate. Porquê? Porque é igualmente um belo negócio para quem empresta dinheiro a juros de agiota. O mesmo se passa em Portugal. Uma boa parte dos cortes nos salários destina-se, não a pagar a dívida externa, mas a pagar os juros do empréstimo. Outro belo negócio. Por isso a troika de cada vez que vem ver as contas preocupa-se antes de mais com o verificar das “reformas” com vista a receber os juros combinados. Os credores – como às vezes se designam – talvez se estejam nas tintas para as populações de Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Itália etc., a não ser na medida em que os problemas desses países podem afectar os seus próprios negócios e a cobrança de juros. Daí que, ainda no primeiro resgate à Grécia, a Alemanha lhes tenha vendido submarinos, a França lhes tenha vendido Mirages, etc. Como Cohn-Bendit denunciou no Parlamento Europeu. Tem isto qualquer sentido a não ser fazer muito dinheiro? É isto uma União? Estranha forma de união.  
A “refundação” de Passos – não há mais impostos para cobrar – nunca contribuirá para por em questão o aumento das desigualdades em Portugal. Pelo contrário, visa reduzir o mais que pode as despesas com as funções essenciais do Estado, para que a banca, os especuladores e os credores, possam continuar com os seus negócios de acumulação de capital, mau grado a destruição da economia e o empobrecimento da população em geral que isso acarreta como consequência. Isso não lhes interessa. Uma vez assumindo que não se pode mexer nessas exorbitâncias em jogo, nem nos escândalos dos negócios legais, semi-legais ou ilegais, na Suiça ou nos offshores, não admira que não haja dinheiro. Vai todo para esses destinatários.
São por isso consistentes as propostas que o Bloco de Esquerda apresentou e que hoje Francisco Louça refere em entrevista ao Público. Por exemplo: “a renegociação da dívida passa por dizer aos credores institucionais, incluindo o BCE, que Portugal não lhes vai pagar os 35 mil milhões de euros de juros porque eles são financiados a 0% e não podem cobrar a 4%”. Parece justo, não parece?
Nestas questões, segundo os critérios dos media, conta muito quem faz a proposta. Se for Louça, passa por ser um irrealismo esquerdista; mas se for Cadilhe a dizer que se deve renegociar a dívida, já é vista como proposta séria. Esta distinção de análise é preconceituosa e ideológica.O seu lema é: só “os nossos” é que percebem de economia. Não tem sentido como argumento e, na verdade, pode-se pensar que “só os nossos” é que fazem tudo para preservar os termos profundamente injustos dos negócios.  Um país não é um negócio ou, pelo menos, até agora, não era.

 Assim se mostra um dos aspectos cruciais da atual fase  do capitalismo: “A crise manifesta-se na crescente escandalosa e ignominiosa desigualdade económica, e consequentemente social, que está rapidamente a aumentar entre sectores inteiros que vivem na pobreza ou em extrema pobreza, enquanto as fortunas de um pequeníssimo grupo de magnatas crescem sem limite.” in Uncertain Worlds, World-system analysis in changing times, Carlos Roja e I. Wallerstein, et al.: 2012: xxvii.
É o pressuposto de que é necessário manter a possibilidade de acumulação de capital por parte desta minoria privilegiada que faz diminuir as soluções possíveis. Uma série de medidas são consideradas à partida como não-aplicáveis. Porquê? São não-aplicáveis apenas de acordo com a ideologia política e económica dominante no mundo, controlado pela finança. Outra orientação é possível caso mude o poder político.
Quero dar exemplo provocatório para lembrar realidades passadas, por isso, com base histórica. Caso fosse o sinistro Estaline a ter o poder, acompanharia medidas desta naturezam, e doutras, com recomendações do tipo: “Fuzilar 4 ou 5 kulaks [pequenos proprietários rurais] por distrito, para dar o exemplo”, como se pode ler nos livros que estudam a maneira como foi implementada a colectivização forçada da terra, nos anos 30 na URSS.
Como ninguém quer fuzilar ninguém, embora queira mudar de política, o que é totalmente legítimo, talvez seja de considerar a justeza das análises do sistema-mundo.  Face à sensação de bloqueio do sistema político em Portugal, cito ainda do mesmo livro: “Há uma crise, total e estrutural em todos os níveis da política; estende-se ao nível dos estados-nação, uma vez que os estados estão cada vez mais incapazes de cumprir as suas funções básicas, fornecerem um mínimo de serviços aceitável, segurança, saúde pública e educação às suas populações. Estão também cada vez mais incapazes de conseguir ou manter uma mínima legitimidade ou credibilidade entre as mesmas populações. […] Cada vez mais a maioria das pessoas identifica a política como um vira-e-toca-o-mesmo rodando em torno de si próprio, uma área na qual na realidade não representa […] sectores cruciais dos cidadãos em geral.  […] Trata-se de uma crise total do mundo político e dos políticos em geral que hoje está esvaziada de qualquer relação com as esferas sociais, éticas e culturais. Num futuro próximo […] isto pode manifestar-se numa cada vez maior e mais difícil, total desapontamento com estas politicas por parte dos habitantes do mundo como um todo”. 

Este desapontamento, que é global, contém em si o perigo que gera e alimenta populismos salvadores ou estalines potenciais, mas é inegável que já existe de forma bem clara não apenas perto de nós, como em todo o lado, onde ainda se pode manifestar livremente o desejo de mudança.
Seria por isso importante que as alternativas reais que existem deixassem de ser descartadas à partida com base do argumento falacioso de que não se pode rasgar o acordo. Não se pode rasgar, dir-se-á, mas pode-se, e sempre se pôde, renegociar.  

António Pinho Vargas, Novembro de 2012.