O crédito está no centro da crise mundial.
O crédito está também no centro da crise em Portugal. Lembram-se da ida
em bloco dos banqueiros a Sócrates que levou ao pedido de “ajuda externa”?
Sócrates resistiu o mais que pode ao resgate, isso ninguém pode negar. Mas o
PEC IV – que Merkel aprovou, lembram-se? – não foi aprovado na Assembleia e
levou à queda do governo. Consta que, quando Ferreira dos Santos lhe colocou o
resgate como obrigatório ou teria de pedir a demissão, Sócrates lhe atirou com
o telemóvel. Mau feitio. Mas a ideia de tentar evitar o resgate não era estúpida, como temos visto.
Vindo o resgate tão reclamado os primeiros a ficarem satisfeitos foram
os banqueiros. Hoje financiam-se a 1% e financiam o Estado a 5%. ou próximo
disso, segundo tenho lido. Belo negócio. É injusto e incorreto. Não poderia ser
de outro modo?
Apesar de todas as ameaças, a Grécia continua a negociar mais um
resgate. Dizem que não, que não pode ser, mas lá vai mais um resgate. Porquê?
Porque é igualmente um belo negócio para quem empresta dinheiro a juros de
agiota. O mesmo se passa em Portugal. Uma boa parte dos cortes nos salários
destina-se, não a pagar a dívida externa, mas a pagar os juros do empréstimo.
Outro belo negócio. Por isso a troika de cada vez que vem ver as contas
preocupa-se antes de mais com o verificar das “reformas” com vista a receber os
juros combinados. Os credores – como às vezes se designam – talvez se estejam nas tintas
para as populações de Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Itália etc., a não ser
na medida em que os problemas desses países podem afectar os seus próprios
negócios e a cobrança de juros. Daí que, ainda no primeiro resgate à Grécia, a Alemanha lhes tenha
vendido submarinos, a França lhes tenha vendido Mirages, etc. Como Cohn-Bendit
denunciou no Parlamento Europeu. Tem isto qualquer sentido a não ser fazer
muito dinheiro? É isto uma União? Estranha forma de união.
A “refundação” de Passos – não há mais impostos para cobrar – nunca
contribuirá para por em questão o aumento das desigualdades em Portugal. Pelo
contrário, visa reduzir o mais que pode as despesas com as funções essenciais
do Estado, para que a banca, os especuladores e os credores, possam continuar
com os seus negócios de acumulação de capital, mau grado a destruição da
economia e o empobrecimento da população em geral que isso acarreta como
consequência. Isso não lhes interessa. Uma vez assumindo que não se pode mexer
nessas exorbitâncias em jogo, nem nos escândalos dos negócios legais,
semi-legais ou ilegais, na Suiça ou nos offshores, não admira que não haja
dinheiro. Vai todo para esses destinatários.
São por isso consistentes as propostas que o Bloco de Esquerda apresentou e que
hoje Francisco Louça refere em entrevista ao Público. Por exemplo: “a
renegociação da dívida passa por dizer aos credores institucionais, incluindo o
BCE, que Portugal não lhes vai pagar os 35 mil milhões de euros de juros porque
eles são financiados a 0% e não podem cobrar a 4%”. Parece justo, não parece?
Nestas questões, segundo os critérios dos media, conta muito quem faz a proposta. Se for Louça, passa por ser um irrealismo esquerdista; mas se for Cadilhe a dizer que se deve renegociar a dívida, já é vista como proposta séria. Esta distinção de análise é preconceituosa e ideológica.O seu lema é: só “os nossos” é que percebem de economia. Não tem sentido como argumento e, na verdade, pode-se pensar que “só os nossos” é que fazem tudo para preservar os termos profundamente injustos dos negócios. Um país não é um negócio ou, pelo menos, até agora, não era.
Nestas questões, segundo os critérios dos media, conta muito quem faz a proposta. Se for Louça, passa por ser um irrealismo esquerdista; mas se for Cadilhe a dizer que se deve renegociar a dívida, já é vista como proposta séria. Esta distinção de análise é preconceituosa e ideológica.O seu lema é: só “os nossos” é que percebem de economia. Não tem sentido como argumento e, na verdade, pode-se pensar que “só os nossos” é que fazem tudo para preservar os termos profundamente injustos dos negócios. Um país não é um negócio ou, pelo menos, até agora, não era.
Assim se mostra um dos aspectos cruciais da atual fase do capitalismo: “A crise manifesta-se na
crescente escandalosa e ignominiosa desigualdade económica, e consequentemente
social, que está rapidamente a aumentar entre sectores inteiros que vivem na
pobreza ou em extrema pobreza, enquanto as fortunas de um pequeníssimo grupo de
magnatas crescem sem limite.” in Uncertain Worlds, World-system analysis in
changing times, Carlos Roja e I. Wallerstein, et al.: 2012: xxvii.
É o pressuposto de que é necessário manter a possibilidade de
acumulação de capital por parte desta minoria privilegiada que faz diminuir as
soluções possíveis. Uma série de medidas são consideradas à partida como não-aplicáveis.
Porquê? São não-aplicáveis apenas de acordo com a ideologia política e
económica dominante no mundo, controlado pela finança. Outra orientação é
possível caso mude o poder político.
Quero dar exemplo provocatório para lembrar realidades passadas, por
isso, com base histórica. Caso fosse o sinistro Estaline a ter o poder,
acompanharia medidas desta naturezam, e doutras, com recomendações do tipo:
“Fuzilar 4 ou 5 kulaks [pequenos proprietários rurais] por distrito, para dar
o exemplo”, como se pode ler nos livros que estudam a maneira como foi
implementada a colectivização forçada da terra, nos anos 30 na URSS.
Como ninguém quer fuzilar ninguém, embora queira mudar de política, o
que é totalmente legítimo, talvez seja de considerar a justeza das análises do
sistema-mundo. Face à sensação de
bloqueio do sistema político em Portugal, cito ainda do mesmo livro: “Há uma
crise, total e estrutural em todos os níveis da política; estende-se ao nível
dos estados-nação, uma vez que os estados estão cada vez mais incapazes de cumprir
as suas funções básicas, fornecerem um mínimo de serviços aceitável, segurança,
saúde pública e educação às suas populações. Estão também cada vez mais
incapazes de conseguir ou manter uma mínima legitimidade ou credibilidade entre
as mesmas populações. […] Cada vez mais a maioria das pessoas identifica a
política como um vira-e-toca-o-mesmo rodando em torno de si próprio, uma área
na qual na realidade não representa […] sectores cruciais dos cidadãos em
geral. […] Trata-se de uma crise
total do mundo político e dos políticos em geral que hoje está esvaziada de
qualquer relação com as esferas sociais, éticas e culturais. Num futuro próximo
[…] isto pode manifestar-se numa cada vez maior e mais difícil, total
desapontamento com estas politicas por parte dos habitantes do mundo como um
todo”.
Este desapontamento, que é global, contém em si o perigo que
gera e alimenta populismos salvadores ou estalines potenciais, mas é inegável
que já existe de forma bem clara não apenas perto de nós, como em todo o lado,
onde ainda se pode manifestar livremente o desejo de mudança.
Seria por isso importante que as alternativas reais que existem
deixassem de ser descartadas à partida com base do argumento falacioso de que
não se pode rasgar o acordo. Não se pode rasgar, dir-se-á, mas pode-se, e
sempre se pôde, renegociar.
António Pinho Vargas, Novembro de 2012.
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