quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O crédito está no centro da crise mundial

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O crédito está no centro da crise mundial.

O crédito está também no centro da crise em Portugal. Lembram-se da ida em bloco dos banqueiros a Sócrates que levou ao pedido de “ajuda externa”? Sócrates resistiu o mais que pode ao resgate, isso ninguém pode negar. Mas o PEC IV – que Merkel aprovou, lembram-se? – não foi aprovado na Assembleia e levou à queda do governo. Consta que, quando Ferreira dos Santos lhe colocou o resgate como obrigatório ou teria de pedir a demissão, Sócrates lhe atirou com o telemóvel. Mau feitio. Mas a ideia de tentar evitar o resgate não era estúpida, como temos visto. 
Vindo o resgate tão reclamado os primeiros a ficarem satisfeitos foram os banqueiros. Hoje financiam-se a 1% e financiam o Estado a 5%. ou próximo disso, segundo tenho lido. Belo negócio. É injusto e incorreto. Não poderia ser de outro modo?
Apesar de todas as ameaças, a Grécia continua a negociar mais um resgate. Dizem que não, que não pode ser, mas lá vai mais um resgate. Porquê? Porque é igualmente um belo negócio para quem empresta dinheiro a juros de agiota. O mesmo se passa em Portugal. Uma boa parte dos cortes nos salários destina-se, não a pagar a dívida externa, mas a pagar os juros do empréstimo. Outro belo negócio. Por isso a troika de cada vez que vem ver as contas preocupa-se antes de mais com o verificar das “reformas” com vista a receber os juros combinados. Os credores – como às vezes se designam – talvez se estejam nas tintas para as populações de Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Itália etc., a não ser na medida em que os problemas desses países podem afectar os seus próprios negócios e a cobrança de juros. Daí que, ainda no primeiro resgate à Grécia, a Alemanha lhes tenha vendido submarinos, a França lhes tenha vendido Mirages, etc. Como Cohn-Bendit denunciou no Parlamento Europeu. Tem isto qualquer sentido a não ser fazer muito dinheiro? É isto uma União? Estranha forma de união.  
A “refundação” de Passos – não há mais impostos para cobrar – nunca contribuirá para por em questão o aumento das desigualdades em Portugal. Pelo contrário, visa reduzir o mais que pode as despesas com as funções essenciais do Estado, para que a banca, os especuladores e os credores, possam continuar com os seus negócios de acumulação de capital, mau grado a destruição da economia e o empobrecimento da população em geral que isso acarreta como consequência. Isso não lhes interessa. Uma vez assumindo que não se pode mexer nessas exorbitâncias em jogo, nem nos escândalos dos negócios legais, semi-legais ou ilegais, na Suiça ou nos offshores, não admira que não haja dinheiro. Vai todo para esses destinatários.
São por isso consistentes as propostas que o Bloco de Esquerda apresentou e que hoje Francisco Louça refere em entrevista ao Público. Por exemplo: “a renegociação da dívida passa por dizer aos credores institucionais, incluindo o BCE, que Portugal não lhes vai pagar os 35 mil milhões de euros de juros porque eles são financiados a 0% e não podem cobrar a 4%”. Parece justo, não parece?
Nestas questões, segundo os critérios dos media, conta muito quem faz a proposta. Se for Louça, passa por ser um irrealismo esquerdista; mas se for Cadilhe a dizer que se deve renegociar a dívida, já é vista como proposta séria. Esta distinção de análise é preconceituosa e ideológica.O seu lema é: só “os nossos” é que percebem de economia. Não tem sentido como argumento e, na verdade, pode-se pensar que “só os nossos” é que fazem tudo para preservar os termos profundamente injustos dos negócios.  Um país não é um negócio ou, pelo menos, até agora, não era.

 Assim se mostra um dos aspectos cruciais da atual fase  do capitalismo: “A crise manifesta-se na crescente escandalosa e ignominiosa desigualdade económica, e consequentemente social, que está rapidamente a aumentar entre sectores inteiros que vivem na pobreza ou em extrema pobreza, enquanto as fortunas de um pequeníssimo grupo de magnatas crescem sem limite.” in Uncertain Worlds, World-system analysis in changing times, Carlos Roja e I. Wallerstein, et al.: 2012: xxvii.
É o pressuposto de que é necessário manter a possibilidade de acumulação de capital por parte desta minoria privilegiada que faz diminuir as soluções possíveis. Uma série de medidas são consideradas à partida como não-aplicáveis. Porquê? São não-aplicáveis apenas de acordo com a ideologia política e económica dominante no mundo, controlado pela finança. Outra orientação é possível caso mude o poder político.
Quero dar exemplo provocatório para lembrar realidades passadas, por isso, com base histórica. Caso fosse o sinistro Estaline a ter o poder, acompanharia medidas desta naturezam, e doutras, com recomendações do tipo: “Fuzilar 4 ou 5 kulaks [pequenos proprietários rurais] por distrito, para dar o exemplo”, como se pode ler nos livros que estudam a maneira como foi implementada a colectivização forçada da terra, nos anos 30 na URSS.
Como ninguém quer fuzilar ninguém, embora queira mudar de política, o que é totalmente legítimo, talvez seja de considerar a justeza das análises do sistema-mundo.  Face à sensação de bloqueio do sistema político em Portugal, cito ainda do mesmo livro: “Há uma crise, total e estrutural em todos os níveis da política; estende-se ao nível dos estados-nação, uma vez que os estados estão cada vez mais incapazes de cumprir as suas funções básicas, fornecerem um mínimo de serviços aceitável, segurança, saúde pública e educação às suas populações. Estão também cada vez mais incapazes de conseguir ou manter uma mínima legitimidade ou credibilidade entre as mesmas populações. […] Cada vez mais a maioria das pessoas identifica a política como um vira-e-toca-o-mesmo rodando em torno de si próprio, uma área na qual na realidade não representa […] sectores cruciais dos cidadãos em geral.  […] Trata-se de uma crise total do mundo político e dos políticos em geral que hoje está esvaziada de qualquer relação com as esferas sociais, éticas e culturais. Num futuro próximo […] isto pode manifestar-se numa cada vez maior e mais difícil, total desapontamento com estas politicas por parte dos habitantes do mundo como um todo”. 

Este desapontamento, que é global, contém em si o perigo que gera e alimenta populismos salvadores ou estalines potenciais, mas é inegável que já existe de forma bem clara não apenas perto de nós, como em todo o lado, onde ainda se pode manifestar livremente o desejo de mudança.
Seria por isso importante que as alternativas reais que existem deixassem de ser descartadas à partida com base do argumento falacioso de que não se pode rasgar o acordo. Não se pode rasgar, dir-se-á, mas pode-se, e sempre se pôde, renegociar.  

António Pinho Vargas, Novembro de 2012.

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