Penso escrever, nos próximos tempos, escrever um texto para as Oficinas do CES - onde se publicam artigos preliminares sobre investigações em curso ou problemáticas destinadas a posterior desenvolvimento - sobre a operacionalidade do conceito de não inscrição proposto por José Gil em Portugal: o medo de existir. Expondo o conceito, pretendo analisar ou colocar hipóteses de trabalho sobre a sua aplicação no que respeita à ausência interna da música portuguesa da tradição erutida hoje. Sendo essa ausência determinante para a ausência no contexto europeu desta prática musical como estudei em Música e Poder, trata-se de primeiro, interrogar o conceito e discuti-lo em vários aspectos; e em segundo lugar, distinguir a "não inscrição" por um lado na sociedade e por outro nos meios de comunicação social - os media em geral - que ocupam um lugar fundamental na definição do "espaço público", tal como foi definido Jurgen Habermas e actualizado pelo próprio e por outros autores, posteriormente. O meu de partida será identificar as diferenças entre o mundo da arte tal como existe na realidade social, nas práticas institucionais, na vida musical em geral e na vida da academia universitária, na própria produção dos artistas e nas suas apresentações públicas, por um lado o facto de este "mundo da arte" estar submetido particularmente no espaço público a processos de exclusão ou de atenção muitíssimo reduzida quer nas televisões, onde a exclusão é radical, como mesmo nos meios de comunicação social escritos, os jornais em particular, nos quais se verifica uma gradual redução do espaço atribuído aos eventos e à crítica cada vez maior, realizando deste modo uma "não-inscrição" no espaço público que não é de modo nenhum idêntica ou concomitante com a realidade social, onde proliferam eventos, que há poucos anos mereciam outro tipo de actuação e de filtragem no espaço público. Esta diferença, o facto de as duas dimensões serem muito diversas, implica a operacionalidade do conceito apenas no que se refere ao espaço público em contra-ciclo com a real actividade tanto fértil na realidade dos factos como filtrada pelos critérios dominantes nos media, submetidos às lógicas de dominação existentes nos seus meios supostamente dedicados à actividade cultural. Esta situação oblíqua, este corte transversal, pode implicar uma "construção de ausência" ou de "não-inscrição" que não tem correspondência no todo social da actividade cultural que produz e ultrapassa os critérios estreitos de selecção subalterna dominantes no espaço público. Neste sentido tratar-se-á de delimitar a zona da "não-inscrição" aos media no seu conjunto e separar essa dimensão industrial ou empresarial da actividade real dos artistas enquanto zona do vivido e do social.
António Pinho Vargas, 6-9-2014
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