Há variantes: "A história é escrita pelos vencedores", disse George Orwell. Walter Benjamin nas suas teses escreveu "a história é contada do ponto de vista dos vencedores". A ideia fundamental é idêntica. Na música verifica-se o mesmo. A primeira história da música com ambições "universais" foi escrita por Karl Franz Brendel em 1852, com o título "Geschichte der Musik in Italien, Deutschland und Frankreich": "do início do cristianismo até ao presente". Trata-se da história da música europeia da tradição erudita e apenas de 3 dos países centrais dela, no século em que foi construído o cânone musical que vigora até hoje.
Apesar de mesmo em meados do século XIX se poderem ter acrescentado algumas periferias já então ilustres - a Rússia, por exemplo, o que Brendel não fez - o facto é que hoje basta acrescentar alguns arredores - "os compositores nacionalistas" - caracterizados pela 'diferença' ou pelo 'esforço de diferença' em relação à grande dominação alemã nesse tempo - e durante o século XX ter em conta os que antes eram 'inexistentes', os Estados Unidos e, em parte, a Inglaterra, para ficar completo o programa geral dos musicólogos e historiadores. Do resto do mundo e das periferias da Europa a história que resta é sobretudo uma história de emigrantes ou de exilados (dentro ou fora dos seus países).
Tomando o poder como uma realidade na geopolítica, na economia, na finança e na geocultura - na qual a música se insere - todas as histórias locais terão de fazer (e fazem) aquilo que Chakrabarty referiu em relação à India: escrevem 'histórias em espelho deformado'. Escreveu: "Enquanto o historiador indiano tem de saber tudo sobre a história do Ocidente para poder ser considerado no seu campo, a inversa não é verdadeira". Nenhum historiador ocidental precisa de saber nada da história da Índia - excepto a que diz respeito ao colonialismo e aos "descobrimentos", um estranho conceito neste caso, ou seja, o momento em que a Índia passa a tomar parte importante no enriquecimento e fortalecimento da Europa.
Na música, sem sair da Europa, verifica-se, tal como em outros e numerosos aspectos, que há várias Europas e não apenas aquela entidade mítica e una que, na verdade, não existe, nem nunca existiu tal como era "imaginada" quando vista do seu exterior. Neste sentido, quando vista das periferias, "a imaginação-do-centro" era simbolicamente mais importante do que o real. O real é que a Europa tem países fortes e países fracos, países poderosos e países frágeis e pobres, países centrais e países periféricos.
Que nos resta? Olhar de frente os factos; compreender os dispositivos de poder e a sua razão de ser histórica; não criar falsas mitologias: e, dando seguimento ao seu amor pela música, criado nesta realidade, não se atemorizar com a sua localização e criar consigo mesmo. Compor colocando-se "fora do mundo" enquanto que uma reconstrução "from below" da história caberá a outros no futuro. Acima de tudo compor com os seus critérios, com a sua história de vida - foi sempre uma - com o seu pensamento musical, o seu pensamento das forças determinadas que cada obra musical põe em acção e tentar o melhor que pode, com a sua autenticidade e a sua honestidade.
O resto transcende-nos. É um processo histórico.
António Pinho Vargas
Apesar de mesmo em meados do século XIX se poderem ter acrescentado algumas periferias já então ilustres - a Rússia, por exemplo, o que Brendel não fez - o facto é que hoje basta acrescentar alguns arredores - "os compositores nacionalistas" - caracterizados pela 'diferença' ou pelo 'esforço de diferença' em relação à grande dominação alemã nesse tempo - e durante o século XX ter em conta os que antes eram 'inexistentes', os Estados Unidos e, em parte, a Inglaterra, para ficar completo o programa geral dos musicólogos e historiadores. Do resto do mundo e das periferias da Europa a história que resta é sobretudo uma história de emigrantes ou de exilados (dentro ou fora dos seus países).
Tomando o poder como uma realidade na geopolítica, na economia, na finança e na geocultura - na qual a música se insere - todas as histórias locais terão de fazer (e fazem) aquilo que Chakrabarty referiu em relação à India: escrevem 'histórias em espelho deformado'. Escreveu: "Enquanto o historiador indiano tem de saber tudo sobre a história do Ocidente para poder ser considerado no seu campo, a inversa não é verdadeira". Nenhum historiador ocidental precisa de saber nada da história da Índia - excepto a que diz respeito ao colonialismo e aos "descobrimentos", um estranho conceito neste caso, ou seja, o momento em que a Índia passa a tomar parte importante no enriquecimento e fortalecimento da Europa.
Na música, sem sair da Europa, verifica-se, tal como em outros e numerosos aspectos, que há várias Europas e não apenas aquela entidade mítica e una que, na verdade, não existe, nem nunca existiu tal como era "imaginada" quando vista do seu exterior. Neste sentido, quando vista das periferias, "a imaginação-do-centro" era simbolicamente mais importante do que o real. O real é que a Europa tem países fortes e países fracos, países poderosos e países frágeis e pobres, países centrais e países periféricos.
Que nos resta? Olhar de frente os factos; compreender os dispositivos de poder e a sua razão de ser histórica; não criar falsas mitologias: e, dando seguimento ao seu amor pela música, criado nesta realidade, não se atemorizar com a sua localização e criar consigo mesmo. Compor colocando-se "fora do mundo" enquanto que uma reconstrução "from below" da história caberá a outros no futuro. Acima de tudo compor com os seus critérios, com a sua história de vida - foi sempre uma - com o seu pensamento musical, o seu pensamento das forças determinadas que cada obra musical põe em acção e tentar o melhor que pode, com a sua autenticidade e a sua honestidade.
O resto transcende-nos. É um processo histórico.
António Pinho Vargas
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