Em que mundo vivemos?
1. No mundo que permitiu ao célebre (e impune) especulador financeiro George Soros ganhar num só dia 1.000 milhões de dólares em 1988.
2. Slavoj Zizek diz-nos que "na China contemporânea os novos ricos mandaram construir enclaves comunitários" (condominios fechados gigantescos, penso) "a partir do modelo idealizado das cidades ocidentais. […] Perto de Xangai há pequena cidade "inglesa" isolada dos seus arredores. Já não há grupos sociais hierarquizados no interior de uma mesma nação - os habitantes desta pequena cidade habitam um universo no imaginário ideológico do qual o mundo à volta das "classes populares" não tem pura e simplesmente existência". Après la tragédie la farce! 2009 p.12-13)
3. Diz-nos também que em São Paulo no Brasil de Lula há 250 heliportos no centro da cidade e comenta: "Para se preservarem do contacto com o comum dos mortais, os privilegiados de São Paulo acham bem recorrer aos helicópteros" ficando assim a cidade próxima de uma megapolis futurista, com a ralé que pulula nas ruas perigosas, enquanto que a um nível superior, nos ares, deslocam-se os ricos". (13)
4. Ainda Zizek. Há alguns anos uma reportagem da CNN sobre o Mali descreveu a realidade do "mercado livre" internacional. Há dois pilares na economia do Mali, o algodão no Norte e a criação de gado no Sul. As duas produções são comprometidas porque as potências ocidentais violam as próprias regras que procuram impor às nações pobres do terceiro mundo. O algodão do Mali é de excelente qualidade mas, problema, acontece que o apoio financeiro fornecido pelo governo dos Estados Unidos aos seus próprios plantadores ultrapassa o orçamento global do Mali. Quanto à carne e ao leite a culpa é da União Europeia. a UE subsidia cada vaca à volta de 500 euros por ano - mais que o PIB por habitante do Mali.
Assim afirma em suma o ministro da Economia do Mali, não precisamos da vossa ajuda, nem dos vossos conselhos nem das vossas conferências sobre os efeitos benéficos da abolição da regulação excessiva do estado.
5. Agora eu: já repararam que durante décadas não houve praticamente discos feitos em Portugal de música e músicos portugueses à venda em nenhum país do mundo? Não sabiam? Então o Cavaco não diz que é bom para Portugal exportar? Ainda por cima cultura? Na verdade não seria bom por razões idênticas às das vacas do Mali.
Porque o mercado nessa área era dominado (e ainda é) por empresas multinacionais anglo-americanas que defendem os seus produtos e dispõem de agentes locais ao seu serviço. Os agentes locais das multinacionais dispõem de recursos para assegurar que nenhum disco sai daqui a não ser que isso interesse à empresa-mãe. Agora há duas ou três editoras independentes de jazz que exportam alguma coisa - por vezes editam mesmo discos de músicos americanos sem editoras lá - aproveitando a perda de poder e influência das multinacionais.
No campo da música clássica e contemporânea não é muito diferente. As editoras discográficas não têm nessa área a mesma influência -embora tenham alguma - mas ela é substituída pelo poder transnacional dos países centrais da Europa que são capazes de produzir e disseminar pelas periferias da Europa os seus produtos. O papel do agente local é aqui desempenhado pela instituição cultural que não manifesta capacidade de levar a cabo uma política não desigual de verdadeira troca cultural. No import/export cultural o défice deve ser o maior que se pode imaginar. Isso nunca preocupou ninguém por aí além porque é visto como "natural". Os dispositivos de poder criam e reproduzem retóricas para tornar aparentemente "natural" aquilo que é político. Tanto nas vacas, no algodão, nos discos como na actividade cultural em geral.
Sabiam, já agora, que a terceira actividade que faz entrar mais dinheiro nos Estados Unidos depois do armamento e da indústria alimentar, é a indústria cultural? Dizia Frederic Jameson em 1998 em The Cultures of Globalization.
6. It's the capitalism, stupid!
Obrigado pelas contribuições e pelo debate.
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