Duas coincidências levam-me a escrever esta pequena nota. Primeiro, o compositor holandês Jan van De Putte, de quem sou amigo há mais de 20 anos (e teve uma peça tocada na CdM na semana que acaba) esteve em minha casa uns dias e trouxe-me uma prenda: o livro Accélération: une critique sociale du temps do sociólogo alemão Hartmut Rosa. Em segundo lugar uma conversa com outro grande mas mais recente amigo, José Manuel Pureza levou-nos ao mesmo assunto: a aceleração brutal que se verificou no mundo este ano.
Uma das ideias mais geniais do judeu alemão Walter Benjamin, nas Teses sobre a Filosofia da História, prende-se com a sobreposição de vários tempos históricos no mesmo momento real. Outra sua ideia da mesma estirpe é a que diz que cada documento de cultura é sempre e também um documento de barbárie. Demorei a perceber esta ideia uns largos anos mas julgo ter conseguido aproximar-me, pelo menos, de uma interpretação dela. Mas não é disso que agora falarei.
O livro de Harmut Rosa de 2005 (no original alemão, de que só li ainda algumas partes e devagar) parece-me ser extremamente importante para perceber o questão da aceleração que todos, de uma forma ou de outra, sentimos agora. Mas foi escrito antes de 2008, ou seja, antes da crise do "subprime" e de tudo o que se desencadeou posteriormente. Contém uma ideia que me estimula uma compreensão parcial do que se passa.
Todos sentimos cada vez mais falta de tempo para viver "o que interessa viver" diz. Quer isto dizer, julgo, que somos obrigados a viverdepressa demais coisas que não interessam verdadeiramente na vida, mas que se tornaram a razão de ser daquilo que nos é dito ser necessário fazer para "viver a vida".
Perante a ideia (optimista) de que "a acção individual, cultural e política poderia adaptar-se progressivamente às velocidades da mudança da modernidade avançada, desenvolvendo novas formas de percepção e de controlo, neste caso, graças à introdução de novas tecnologias genéticas ou de implantes informáticos."
A sua resposta vem cortante:
"Considero, pela minha parte, estas esperanças irrealistas na medida em que não se vê como estas reformas poderiam resolver o problema da dessincronização entre a política democrática e a evolução económica e técnica e de que forma elas poderiam ser postas em acção politicamente, uma vez que a possibilidade de uma governação [governance] política com os meios actualmente disponíveis é cada vez menos provável.
Acrescenta que, "mesmo que isto fosse possível, as novas formas que surgissem não seriam capazes de resistir muito tempo às novas forças acelerativas".
Que retiro daqui? Principalmente a dessincronização entre a política e a economia.
Que a maior rapidez e eficácia da economia e da técnica face a uma comparativamente muito mais lenta capacidade de acção política (com os seus procedimentos institucionais, eleições, debates, acção legislativa, aplicação prática posterior das decisões, etc.) está no centro da tremenda sensação de turbilhão em que nos sentimos.
Usando o jargão oficial de que tomamos conhecimento com maior intensidade nos últimos tempos "os mercados" agem em tempo real: um comunicado de uma agência de rating ou do FMI, provoca resultados e consequências no próprio dia em que é emitido. Qualquer acção ou reacção política, seja uma declaração de um ministro ou uma iniciativa legislativa, ou, de outro modo, uma manifestação de protesto violenta, reclama, precisa necessariamente , para ter consequências comparáveis, de muito mais tempo.
Por isso, como ajustar a política, no sentido de Jacques Rancière - a acção daqueles que habitualmente não têm poder, nem "o poder", nem nada - a esta aceleração brutal dos mecanismos que parece transformarem toda a realidade, a vida no seu todo, numa espécie de sala de uma bolsa de valores do tamanho do mundo onde écrans espalhados por todo o lado nos mostram, em tempo real, as subidas e descidas das acções?
Como fazer reduzir esta aceleração a um tempo propriamente humano e não ao tempo do dinheiro das bolsas?
Será pela via de Walter Benjamin, do súbito e inesperado salto do tigre a céu aberto, do tempo fora dos eixos de Shakespeare - the time is out of joint - em última análise, de uma revolução (que ninguém é capaz de imaginar nem como, nem quando) que seja capaz de lançar uma diferente turbulência dos tempos, uma turbulência contra a turbulência actual, da qual pelo menos sabemos onde está a origem? Creio que ninguém sabe responder.
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