De que vazio falo? Aparentemente não há vazio nenhum, existem 3 partidos representados da assembleia e mais alguns fora dela. Mas falo a partir da posição expressa no texto de Boaventura de Sousa Santos no Público de 24-3-2011: "não foi totalmente por que culpa do PS que se perdeu a oportunidade histórica de criar uma verdadeira alternativa de esquerda com vocação de poder". Refere-se ao Bloco de Esquerda que cometeu o que designa por "erro histórico de pensar que havia espaço para mais do que um partido catalisador do voto de protesto e do ressentimento".
O vazio com que me defronto é esse. Por culpa dos dois partidos em questão, considerando que o PC cumpre a sua posição habitual - que tem a sua importância - não há ninguém que ocupe o espaço entre o PS e o Bloco tal como estes se apresentam. Enquanto o PS se asume no discurso como um partido que quer defender valores de esquerda - o estado social, o serviço nacional de saúde, a escola pública - fá-lo ao mesmo tempo que não consegue tomar medidas de esquerda na ordem fiscal (sobretudo em relação às grandes empresas e às grandes fortunas), que pertencendo ao arco do poder com o PSD alterna com este a distribuição de boys nos lugares das administrações de empresas públicas e assegura(rá) a governação ditada por Bruxelas e FMI. Aliás a minha angústia actual nem sequer tem a ver com programa de governo. Este já está escrito. Resta aplicar as medidas escritas pelos três que emprestam o dinheiro. No entanto esse espaço de aplicação pode permitir pequenas nuances que se venham a revelar importantes.
Penso que o PS tem sido a desgraça de Portugal. Mesmo a sabedoria de Mario Soares não me faz esquecer os escritos nas paredes aquando das anteriores entradas do FMI: Fora o governo PS-CDS; Soares-Mota Pinto Fora! etc. Isso já vimos e não foram "fora" coisa nenhuma. E quando foram foi para AD's e Cavacos.
Claro que o PSD também tem sido a desgraça de Portugal, mas isso não me interessa muito porque esse está fora das minhas opções de voto, da minha visão das coisas e do mundo. A política não se resume à governação. Inclui uma ideia de futuro. Daí a angústia. O Bloco de Esquerda prefere manter os seus discursos irrepreensivelmente de esquerda radical, o que é fácil, a assumir - ou melhor a ter assumido, porque agora será tarde - os riscos inerentes à possibilidade de participar em acordos pontuais com o PS: a tal "alternativa de esquerda com vocação de poder". É curioso verificar que nas convenções dos partidos o que determina os discursos é uma previsão da reacção favorável dos participantes, mais do que pensar para além, naquilo que seria necessário para toda a gente, para as pessoas, para a população ou o povo se quiserem. Podem ter razão no campo dos seus princípios mas não a têm no campo da realidade. Apesar de os partidos serem todos atravessados por um corte transversal que os divide internamente entre as suas esquerdas e as suas direitas, verifica-se uma espécie de congelamento dos cérebros nessas reuniões. Para este assunto talvez ler Elias Canetti que tenho em inglês "Crowds and Power".
Julgo - e veremos se terei razão - que o Bloco de Esquerda se suicidou nos últimos tempos: não abandonou nem por um momento aquilo que seria a sua política de base (se a pudesse aplicar) para considerar, como Lenine foi obrigado a fazer, que "este" - um qualquer - era o momento do "passo atrás". Um exemplo: a NEP - Nova Política Económica - dos anos 20 foi de facto uma restauração provisória do capitalismo e não sabemos até onde teria durado se Staline não tivesse tomado o poder e avançado para a colectivização forçada e os seus trágicos resultados (para os povos).
Assim sendo não tenho em quem votar com um mínimo de convicção. Esse espaço de uma alternativa de esquerda capaz de governar na situação actual -pertença à UE, pertença à zona Euro, a Europa sob a grande desorientação face à investida do dólar e sob orientação de partidos maioritariamente de direita neoliberal - o que implicaria certamente vários passos atrás à Lenine, não existe, não está ocupado, é um buraco nas opções oferecidas pelo leque dos partidos em Portugal. Ou existe o PS cedendo sempre a essas políticas - e como seria importante que houvesse um interlocutor à esquerda para o atenuar - ou existe o Bloco heroicamente fora do espaço do poder, para satisfação discursiva dos seus dirigentes e desgraça dos eleitores como eu e, talvez, satisfação dos partidos da direita que assim poderão receber o poder de mão beijada pelas asneiras dos outros. Terei de alargar o número dos abstencionistas?
Alguns já sabem que a arte - a arte como nova religião da redenção - não me chega. Talvez problema meu, mas sem dúvida pior para mim. Gostava de acreditar nesse poder redentor. Mas não consigo sair do intramundano, do mundo nos seus aspectos mais óbvios - pessoas e linguagens - e não partilho a ideia de Alain Badiou das "verdades", entre as quais ele inclui a arte. Faço o meu trabalho com o prazer inerente ao trabalho criativo mas ele não me chega para sentir que contribuo para "salvar o mundo". E estou longe de pensar como Schopenhauer e Wagner que a música é mais importante que a filosofia. Modéstia precisa-se. Aliás, sublinho para quem não tiver reparado, que as questões da "cultura" como que desapareceram do espaço público. Poderá muito bem ser um sintoma daquilo que aqui me paralisa: o vazio.
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