sexta-feira, 19 de outubro de 2012

sábado, 13 de outubro de 2012

Como se manifesta quase todas as semanas a ideologia dos dispositivos de dominação cultural?

Como se manifesta quase todas as semanas a ideologia dos dispositivos de dominação cultural?
O novo maestro titular da Orquestra Gulbenkian, o inglês Paul McCreesh, diz hoje (13-10-12) no Actual do Expresso na sua entrevista sobre as suas novas funções "que Portugal não tem ainda uma produção musical extraordinária e internacional" e que "espera que não o prendam por isto". Poderá desde já ficar descansado. Não só não será preso como até corre o risco de ser condecorado, como aconteceu com René Martin, condecorado por Jorge Sampaio perto do final das suas Festas da Música, que teve como característica mais notória neste aspecto, ter apresentado em todas as festas da música juntas apenas uma peça contemporânea, encomendada ao igualmente francês e seu amigo Pierre Henri. Dizem-me que essa peça, uma colagem sobre Beethoven era muito má. Regressemos a McCreesh.
Apesar de não ser preso pode ser criticado e sobretudo interrogado. Poder-se-ia perguntar se assim sendo porque é que vem para este país? Mas seria demasiado fácil: o cargo de maestro titular da prestigiada Orquestra Gulbenkian é um lugar apetecível e bem pago.
Paul McCreesh tem razão: Portugal não tem o que ele diz - nunca teve - e prossegue: "em 50 encomendas pode haver duas realmente boas. Não temos de fazer música portuguesa apenas por ser portuguesa." Ao contrário do que ele poderá pensar este discurso é absolutamente corrente e, não apenas isso, é uma prática secular das instituições e das orquestras portuguesas. Mas as perguntas são as seguintes: Poderá ele afirmar quais são as duas peças boas dentre as 50 encomendas? Alguma vez terá ouvido alguma que seja, das boas ou das más? Porque é que, dentre as música actuais a música inglesa é hoje tão pouco tocada fora de Inglaterra, porque é que a música francesa é tão pouco tocada na Alemanha ou, mesmo, em França? Porque é que na Holanda, continuam a ser tocadas regularmente novas encomendas, que virtualmente, até à excepção de Andriessen a partir de 1995 - e exclusivamente nos EUA e UK - não teve, em todo o século XX anterior, virtualmente nenhuma presença em nenhum outro país? Zero. Será porque é toda má ou porque, tirando o repertório canónico alemão do século XVIII-XIX, algumas óperas italianas do século XIX e algumas obras francesas deste ou daquele - é isto o cânone - o que se pratica nesses países centrais é, com extrema clareza e, ao lado do repertório canónico, uma apresentação menor, mas regular, de música local desses países para além do tudo o resto? É de sublinhar que este tipo de argumentos contra o que designam de "particularismo" está sempre associado aos detendores do poder estabelecido. Nas discussões do acordos GATT o americano Frederik Jameson refere que face à defesa da necessidade de subsídios dos governos da Alemanha, França, Inglaterra, na criação de uma indústria cinematográfica nacional e independente, os lobbies americanos procuraram desmantelar estas subsídios locais ou nacionais como forma de competição "injusta". Ou seja, os americanos tentaram e conseguiram usar argumentos contra a defesa de expressões artísticas locais - incluindo a da Inglaterra - como particularismos provincianos para favorecerem a dominação cultural das corporações americanas do cinema.
No caso da música dita "clássica" europeia, as hegemonias mudam de lugar mas os argumentos dos hegemónicos não. A fractura encontra-se entre os paises centrais da Europa e os periféricos.

Ah, grandes provincianos! Os ingleses encomendam e apresentam várias óperas de Harrison Birtwistle, sem se preocuparem com o facto de raramente ser apresentada fora da Inglaterra (saberá isso?); os alemães apresentam óperas de Wolfgang Rihm, sem vacilar perante o facto de, em França, serem rarissimamente tocadas. Em França prosseguem as encomendas aos numerosos compositores do grupo dominante instalado no IRCAM apesar de a música de Philipe Manoury, por exemplo, não ser praticamente executada fora de França. 
Seria importante saber o que pensa McCreesh destas obras: considera-as boas, más, ou talvez ainda melhor, conhece-as sequer? As inglesas talvez, mas, as outras? Alguma vez as ouviu? Ou apenas se limita a repetir a mais difundida banalidade que todos os maestros repetem quando assumem novas funções para depois fazerem o mesmo que todos os seus antecessores nesses cargos (posso dizer ter ouvido este tipo de discurso nas últimas décadas dezenas de vezes) Apresentar maioritariamente repertório con"sagrado", canónico e muito semelhante em todos os países ocidentais e uma ou duas vezes por ano, produção nacional actual que, fora de redes europeias como o Réseau Varèse, dominado pelos países centrais, raramente circulam sem esse aval (e mesmo assim muito pouco). 
Outro aspecto: refere que "sei que a própria Gulbenkian tem um óptimo acervo de encomendas e já houve discussões sobre algumas voltarem a ser tocadas". Sabe mas não as conhece, nem nunca as ouviu, como é patente. Quando refere que em "50 encomendas 2 serão boas", perante a lista das encomendas da própria Fundação que o contrata, como é que as avalia concretamente? 
A lista, publicada pela Fundação em 2009-10 (duas edições), por ordem descendente de número de encomendas, diz-nos: E. Nunes, 23 obras, J. Peixinho, 12, J. Braga Santos, 11, C Capdeville, 10, C. Lima, 9, J. Rafael, 7, Filipe Pires, 7, C.Rosa, 6, Pedro Amaral, 5, M.L. Martins, 4, A.Cassuto, 4, J.P. Oliveira 4, A.Pinho Vargas, 3, M. Azguime, 3, I. Soveral, 3, A.Salazar, 2, A. Delgado, 2 e um vasto número de compositores com 1 encomenda, um dos quais dá pelo nome de F. Lopes Graça. Esta lista - que traduz uma certa orientação em si mesma, que se analisa a si própria - abarca todo o período anterior a 2009. Teria McCreesh um enorme trabalho pela frente se estivesse a falar verdade. Não está.

Gostaria de saber neste vasto número quais são as 2 boas, na opinião do ilustre maestro inglês. Não fora já saber, antecipadamente, que ele não sabe de modo nenhum. Usou apenas uma retórica. O seu mundo é, na verdade, pequeno, muito pequeno. O que é espantoso é isso ser típico. Resta, como mera consolação, saber que o seu âmbito de acção, como maestro titular, não abarca tudo aquilo que se faz e decide na Fundação.

Conclusão 1: É muito mais fácil dizer banalidades que, estando muito disseminadas, correspondem a uma verdadeira "ideologia reguladora", do que fazer decentemente um trabalho de casa. Não é caso único, longe disso.
Conclusão 2: Os melómanos habituais da Gulbenkian podem dormir descansados. Não terão que enfrentar nada que possa fazer vacilar as suas convicções identitárias de discreta autoflagelação . A Gulbenkian - com McCreesh - continuará a ser a sala de visitas da "Europa na Avenida de Berna", como escreveu José Gil. 

PS: Até gostaria de abandonar de vez este assunto. O que acontece é que, em cada semana, ele me bate à porta com a violência própria dos dispositivos discursivos de dominação cultural mais arrogantes. Tem como característica principal não se questionar, nem ter dúvidas, mesmo quando fala sobre o que, acima de tudo, não conheçe. O seu lema é "o mundo é aquilo que o meu olhar consegue abarcar".

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Dois compositores face à "ausência" da música portuguesa António Pinho Vargas e Sérgio Azevedo


António Pinho Vargas:
A dificuldade de entender o que é a ideologia universalista na música erudita.
Existe uma dificuldade aparente de entender o que é a ideologia universalista na música erudita.
Apesar de todo o meu esforço no livro Música e Poder:para uma sociologia da ausência da música portuguesa no contexto europeupara tornar clara não apenas a existência de uma rede de poder transnacional europeia que domina o sub-campo contemporâneo como o eufemismo que não considera a diferença - inexistente na maior parte das práticas musicais - entre composição e autoria e, por outro lado, interpretação, como sendo coisas diferentes, leio no Público de hoje, a notícia da actuação do Remix Ensemble da Casa da Música (CdM) no Festival Musica de Estrasburgo. Que música é que este grupo do Porto apresentou "internacionalmente" na Alsácia? Três obras: Remix de Georg Friedrich Haas, Backdraft de Yann Robin, Jetz Genaut de Pascal Dusapin.
Deve-se salientar que o mesmo concerto irá ser repetido hoje mesmo na CdM no Porto mas com mais uma peça de Pedro Amaral.
A pergunta a fazer será: porque é que esta peça de um compositor português não foi tocada igualmente em Estrasburgo? Por opção eventual do director do Festival J.-D. Marco, que não obstante afirma que o este concerto foi concebido como "uma homenagem ao dinamismo e profissionalismo da Casa da Música e do seu diretor A.J. Pacheco". (Público, p.28) Na minha tese já referida levantou-se a hipótese de a entrada da CdM para o Réseau Varèse -instituição que agrupa vários festivais europeus e tem apoios da UE, ter significado, mais do que a existência de um instrumento para a música portuguesa, a integração de um grupo financiado pelo Estado português, no grupo restrito dos ensembles de música contemporanea europeus. Sendo isto verdade o facto é que em larga proporção este grupo executa tanto fora como dentro principalmente música programada/escolhida pelo seu grupo de programadores com larga presença de franceses e alemães. Mesmo quando o fez com música de Nunes era a pertença do compositor ao grupo restrito do sub-campo contemporâneo, a sua real localização em Paris, que determinava a inclusão de algumas obras suas. Ora, neste caso verifica-se a exclusão da obra de Pedro Amaral no concerto "internacional". De acordo com os conceito que usei essa obra é assim "provincializada" pelo programador português que não quis ou não foi capaz de vencer a exclusão decretada pelo programador francês.
Este facto acontece há décadas tendo sido uma prática corrente da Gulbenkian no passado, na direcção de Pereira Leal, dividindo E. Nunes - sempre executado por grupos vindo de "fora" - e J. Peixinho, pelo contrário, provincializado, ao ser quase sempre tocado "em casa" pelo seu grupo próprio local GMCL. Esta desvalorização simbólica é grave e tem consequências nefastas no longo prazo. Os responsáveis pela provincialização dos compositores portugueses são os programadores /directores também portugueses.
Esta distinção entre compositores (que ficam) e intérpretes (que vão) - que continua a regular o funcionamento destas instituições - tornar-se-ia clara transposta para outras música, por exemplo, se Amália fosse a Paris com a condição de apenas cantar Edith Piaf, se Mário Laginha fosse obrigado pelos festivais "lá fora" a tocar exclusivamente música de Keith Jarrett ou Vitorino tivesse que cantar "chanson française" da resistência. Como isto seria absurdo, espanta que o universalismo dominante na dita "música clássica" seja suficientemente forte para anular qualquer percepção que seja do seu próprio absurdo vigente.
No mesmo festival tocou igualmente a Orquestra Sinfónica da CdM, incluindo um peça do jovem compositor Daniel Moreira, residente na CdM, que tem sido executado pelos grupos da Casa nas tournées. Aqui surge uma outra forma de provincialização, trazida pela pena da crítica Diana Ferreira, que, diz-nos o jornal, viajou a convite da Casa da Música. Escreve "talvez o seu trabalho não chegasse, pelo menos tão precocemente, à programação de um evento como este não fosse o envolvimento da CdM no Réseau Varèse. Mas tais facilidades poderão conduzir a situações ingratas como contracenar com clássicos como Erwartung de Schoenberg e de discursos apoiados em receitas eficazes como a brilhante orquestração de Mantovani […] somando naipes inteiros no reforço de uma ideia que carece de orquestração". (ibidem) Claro que fico sem saber se a orquestração é brilhante ou se não existe, mas isso não tem qualquer importância.
Sendo certo que é aqui confirmada a importância do Réseau Varèse, o seu peso decisório, no percurso do jovem Daniel Moreira, neste caso coloca-se a "ingratidão" de ter ao lado Schoenberg e Mantovani. Talvez esta ideia seja da mesma ordem daquela que produz a exclusão da obra de Pedro Amaral do concerto do Remix. Em Estrasburgo seria talvez "ingrata" a sua presença no meio de tão "ilustres" companhias (Haas, Robin, Dusapin). No Porto já não é ingrata. Porque será?
Já há alguns meses o compositor Jorge Salgueiro referia-me a sua perplexidade perante as não-consequências da minha análise publicada, dizendo: "Está lá tudo, só não vê quem não quer ver". Quero agora afirmar que a única vantagem do meu livro será estar lá a análise feita, com os dados e os discursos que a fundamentam. Mas posso afirmar não apenas que não serve para nada que transforme, como poderia continuar a escrever adendas até à morte.
Nada irá mudar porque a estrutura deste campo inclui a sua própria "indiferença" e a sua cedência sempiterna aos valores "universalistas" - inamovíveis - que regulam o campo. Nada de muito diferente - embora existindo numa esfera sobretudo "simbólica" que é a arte - da primazia da Alemanha e da França na economia europeia ou da permanência da austeridade nas políticas. Uma ideia, tornada hegemónica, consegue mesmo ter o apoio dos subalternos, contra os seus interesses, como nos ensinou Gramsci, especialmente quando os seus efeitos são "invisíveis" n o interior do campo (o universalismo parte do pressuposto que tudo é imediatamente válido em qualquer lugar e tempo, ao contrário do que nos mostra o bem real sistema de dominação cultural dos países centrais), ao contrário da austeridade, que entra pela vida dentro de toda a gente. Este problema, pelo contrário, não interessa a ninguém, e esse, é um traço da sua inegável irrelevância social.
António Pinho Vargas, 9-10-12

Sérgio Azevedo:
Claro que tens razão, e eu próprio já tinha observado a ausência do Pedro Amaral (ou de outros) nesse concerto e em muitos outros. Estar metido nesses circuitos, como muito bem observas, é como estar metido com o FMI: aquilo não foi feito para ajudar os países pobres, foi feito para ajudar os países ricos a manterem-se ricos, através da exploração dos pobres. Ou seja, através do Réseau Varèse (que não é por acaso que não se chama Réseau Lopes-Graça, por exemplo), os pobres países como Portugal contribuem para a disseminação das obras dos países ricos, não das suas próprias obras e autores. Sendo uma rede, devia ser uma oportunidade para cada país ser tocado noutros países, evidentemente: franceses seriam tocados aqui, e portugueses em França. Talvez assim seja em pequeníssima proporção, para enganar os fregueses. Na realidade, nós tocamos 95% da programação deles, e eles tocam praticamente 0% da nossa. É mais ou menos como a relação do Estado e os privados nas PPP. Quem tem culpa disto: os culpados que tu apontas e a falta de uma força moral e ética da nossa parte para os mandar passear e exigir a equidade. Junta-se a isto o snobismo, esse mal português que Eça tanto aponta, e temos uma mistura mortal. Da minha parte, não sei se me considero companheiro de infortúnio, e embora compreenda o termo, ainda assim não vejo a coisa tão negra se a virmos de outro ponto de vista, um que ignore precisamente esses centros de Poder... tomei há muitos anos uma decisão: seria (ou não) tocado por quem gostasse da minha música, e recusei-me sempre a bajular grandes instituições para ter a minha migalha das migalhinhas que essas instituições oferecem de quando em vez à música portuguesa. Graças a essa independência, acabei por ter mais peças tocadas, mesmo fora de Portugal, do que se tivesse andado a pedinchar favores (que é também o teu caso e de outros, que criticam publicamente as grandes instituições pelas más opções tomadas, tu até mais do que qualquer outro que eu conheça). Porque a música é feita pelos intérpretes individuais, e esses sabem muito bem o que querem tocar. Temos observado na música contemporânea desde os anos 50 a sobrevivência falsa de muitos compositores, amarrados a garrafas de oxigénio fornecidas por instituições (Emmanuel Nunes foi um desses casos, a meu ver, trágicos), que, na realidade, só graças a elas sobrevivem enquanto são vivos (porque uma vez mortos as instituições acabam por escolher novos delfins). Depois de mortos, a crua realidade impõem-se, com resultados devastadores, muitas vezes indo até à extinção total até do nome. Veja-se a quantidade de música, as toneladas de música e de nomes desde os anos 50 até agora, e quanta dessa música é ainda tocada ou esses nomes recordados mesmo dentro do grupo ínfimo da música de vanguarda? A maior parte dela teve aquela encomenda da praxe seguida da primeira e única execução também da praxe, e depois foram morrer ao imenso cemitério de partituras da História da Música. Estes "réseaus" e semelhantes redes não servem para nada, na realidade, a não ser para manterem a supremacia cultural de que falas, e manter alguns delfins a flutuar enquanto estão vivos, porque caso contrário essa música não seria tocada em lado algum. Mantenho-me a léguas de tudo isso, porque não quero ser um compositor iludido mas sim um compositor com um pé na realidade, cuja música, a ser tocada (ou não), é-o porque eventualmente o merece, porque gostam dela, porque interessa às pessoas e aos intérpretes, e por aí adiante; caso contrário, que não o seja. Tudo menos sobreviver agarrado a garrafinhas de oxigénio, ainda por cima poucas e de má qualidade, e ser tratado com condescendência. Um artista deve ser independente dos poderes, e pela parte que me toca sempre os ignorei. Escrevo música, publico-a, que a toque quem quiser, eu fico em casa a fazê-la e chega. Tenho amizade e estima por vários intérpretes, faço por dar a conhecer a minha música, mas sempre de forma pública e distanciada, nunca tentando mexer cordelinhos em capelas escusas. E tem funcionado. Sabes, tão bem ou melhor do que eu, que a boa música, quando o é, fica, e a outra desaparece gradualmente da História; faça-se o que se fizer, ela desaparece. Quantos "sucessos" não tiveram tantos compositores na sua época para depois desaparecerem para sempre, e vice-versa? Por isso, não serão os Réseaus Varèses ou outras redes de submissão aos países ricos que irão mudar o juízo da História, demore este o tempo que demorar a julgar. Nesse aspecto, não me considero companheiro de infortúnio porque, do meu ponto de vista, não sou (nem tu és) infortunado. Repara: fazemos aquilo de que gostamos na vida, que é escrever e, no teu caso, também tocar música, temos emprego, numa altura em que tanta gente está desempregada, cada peça que escrevemos é quase sempre tocada logo pouco após ser terminada, várias delas são frequentemente tocadas, em Portugal e fora dele, e discos vão aparecendo, etc. Podemos queixar-nos: "Mas se eu fosse inglês era mais tocado ainda". Provavelmente, se fosses inglês ou alemão terias o benefício da tal supremacia económica e cultural desses países, mas tê-la-ias apenas por causa disso e não pela música em si, e é esta que nos vai fazer ficar (ou não) na lembrança e no amor das pessoas, aquilo a que se chama a "permanência histórica", na verdade. E esse compositor inglês ou alemão de hoje, poderá ser mais tocado do que nós mas é-o certamente menos do que Mozart o é, e muitíssimo menos. Por isso... há sempre alguém que é mais tocado ou mais gravado; aposto que o Magnus Lindberg "inveja" Schubert e este, se fosse vivo, "invejaria" Mozart, que deve ser o compositor mais tocado em todo o mundo, pelo que li uma vez algures numa revista de música (não sei se é verdade, mas não importa: alguém há-de ser o mais tocado!). O que digo acima, desculpa pela extensão, não obsta a que não tenhas toda a razão no que dizes (o teu livro é, nesse aspecto, uma constatação terrível destes factos), ou que não se lute por mudar as coisas, mas devemos lutar, no meu entender, unicamente porque estas coisas são, efectivamente de globalmente, injustas - de um ponto de vista universal e político - para os pequenos países, mais nada. Por uma questão de dignidade nacional, de equidade, de justiça e ética artística, é de todo imprescindível que esta submissão nojenta ao "Outro" termine, porque é uma questão não apenas da arte, mas do país inteiro, enquanto entidade independente. Ser um pequeno país não é uma fatalidade, vejam-se os casos da Islândia e da Finlândia, para só citar dois exemplos. Fatalidade é sermos um país com mentalidade pequena, não o sermos um pequeno país do ponto de vista demográfico e geográfico.
Sérgio Azevedo, 9-10-12