quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

António Pinho Vargas, Six Portraits of Pain (2005) .mov

António Pinho Vargas JUDAS (2002) 1st mov.

António Pinho Vargas, Suite para violoncelo solo (2008) 5-8.mov

António Pinho Vargas, A Impaciência de Mahler (1999), 1º peça.mov

Algumas ideias sobre a(s) música(s) de hoje 1. Falácias sobre "a música do nosso tempo"

Uma das várias razões que tornam difícil senão impossível problematizar correctamente os problemas actuais da criação musical dos últimos 25 ou 30 anos - no mundo "ocidental" no seu todo - é a repetição, década após década, de argumentos que já provaram de forma muito clara que partem de pressupostos errados.
Um deles é uso do conceito de "música do nosso tempo" circunscrito à música que que prossegue a tradição da música erudita europeia, a chamada "música contemporânea". Um simples bom senso deveria levar-nos a abandonar rapidamente essa designação. Trata-se de um conceito excludente que procura atingir um paradoxo: por um lado, reclamar a herança e a continuação da "grande tradição clássica" para com essa forte legitimação simbólica pretender o estatuto exclusivo de "contemporâneo" para um grupo restrito de uma determinada orientação estilística. Como afirma Jean-Jacques Nattiez na introdução do primeiro volume da sua Enciclopédia ”depois do radicalismo do discurso e da experimentação sistemática seguiu-se um período de desafectação crescente do público em relação à música ‘séria’ contemporânea”, considerando, aliás, que o próprio termo “música contemporânea” é “uma etiqueta que, cada vez mais, designa um momento da evolução estilística do século XX” […] “o que nós considerávamos ser a música contemporânea, afinal hoje parece-nos ter sido apenas um estilo” (Nattiez, 2003: 28-29). Esta constatação relativamente evidente continua a ser recusada - apesar das provas que sem cessar se acumulam na realidade - por alguns agentes do campo musical que, como veremos, Richard Taruskin considera "blind to the main picture".
O outro lado do problema e do paradoxo prende-se com um facto que é, em geral, denegado, mesmo no sentido original freudiano. Para manter o suporte e as vantagens simbólicas associadas à tradição clássica, os compositores (e musicólogos afectos ao grupo restrito, etc.) recusam-se a aceitar que é o triunfo em larga escala do repertório do passado nas salas de concertos do mundo que constituiu o principal obstáculo à presença menos que residual ou encerrada ghetos isolados da dita música contemporânea. O triunfo do museu imaginário da música clássica - transformada em arte de re-interpretação infindável de música com 100, 200 ou 300 anos - é o lado simetricamente equivalente à importancia residual dos que se reclamam como herdeiros. Na minha opinião a única razão que justifica essa pretensão é o uso da escrita que é comum às músicas anteriores e posteriores a 1900. Pelo meio verificou-se o cisma estético associado ao modernismo musical e reforçado fortemente após o final da Segunda Guerra Mundial com Darmstadt e as suas consequências posteriores. Perguntar-me-ão? Mas gosta dessa música? A minha resposta é gosto de alguma dessa música, cresci com ela, faz parte integrante da minha formação - e no período dos anos 60 e 70 do século XX tinha muitos cruzamentos com várias outras formas musicais como o free-jazz e as músicas improvisadas de vários matizes - e nesse sentido não só gosto como a reclamo como parte do meu património estético acumulado ao longo da vida. Mas tudo isso não me deve cegar perante a evidência.
O que sinto é que vivemos uma mudança de paradigma há muito tempo já, pelo que continuar a procurar os "culpados" onde Adorno os julgou encontrar é um erro. Os "culpados" que se referem são sempre os mesmos há muitos anos e dão pelo nome de "indústria cultural" nas suas várias formas: as rádios não a passam, a televisão ignora, os intelectuais e praticantes de outras artes desligaram-se, os críticos não apoiam, os agentes só pensam no lucro, etc. Esta amálgama de razões - que junta no mesmo saco efeitos provenientes da cultura de massas com efeitos provenientes do triunfo do museu clássico imaginário nas grandes instituições culturais - não deixa de ser uma parte da realidade. Só falta acrescentar o resto.
Sobre alguma desta problemática Taruskin escreveu em 2007 em The New Republic o impressionante artigo "The Musical Mystique". Coloco aqui um exemplo da falácia recorrente sobre "a música do nosso tempo"

Of course professionals can be just as oblivious, and they look funnier, since they are blind not to a blip but to the main picture. I had a grim laugh when I read an interview in The New York Times this past July with George Benjamin, a forty-seven-year-old British composer, in town for the American premiere of a chamber opera that he had written. He was pulling the usual long face about the fact that music "is not valued in contemporary society." He challenged the reporter interviewing him to "name a single politician who shows interest in the music of our time." This was only days after the Times had published an interview with John Edwards in which the candidate spoke enthusiastically about U2, Bruce Springsteen, and Dave Matthews. Poppy Bush, as we have noted, is into the Beach Boys. Bill Clinton, the most musical of our recent presidents, claimed no identification with the classics; he and his wife even named their daughter after a Joni Mitchell song. But while his musical attitudes might not console George Benjamin, they do attest to an authentic involvement with the music of our time, and I for one rate our sax-toting president's participatory investment in music higher than anyone's passive consumption of the classics, to say nothing of the previously expected feigning of cultivated taste. Such authenticity is a positive change in our culture, connected to the generally enhanced level of seriousness with which America has been taking its professed social egalitarianism since the 1960s. Can classical music fit into that?"

Noutro ponto nesse texto (que comenta três livros preocupados com o futuro da "música clássica") Taruskin descreve algumas das estratégias seguidas e procura desvendar o fulcro secreto das preocupações

There are two ways of dealing with the new pressure that classical music go out and earn its living. One is accommodation, which can entail painful losses and suffer from its own excesses (the "dumbing down" that everybody except management deplores). Blair Tindall's main grievance is the inadequate education she received at the North Carolina School of the Arts, which left her unskilled for other work. Her accommodation consisted of retraining as a journalist. Orchestras have accommodated by modifying their programming in a fashion that favors the Itzies and Pinkies and little divas. Composers have accommodated by adopting more "accessible" styles. Love it or hate it, such accommodation is a normal part of the evolutionary history of any art.
The other way is to hole up in such sanctuary as still exists and hurl imprecations and exhortations. That is the path of resistance to change and defense of the status quo, and it is the path chosen by the authors of the books under review here. The status quo in question, by now a veritable mummy, is the German romanticism that still reigns in many academic precincts, for the academy is the one area of musical life that can still effectively insulate its transient denizens (students) and luckier permanent residents (faculty) from the vagaries of the market. Inevitably, all three authors are professors. In its strongest and most "uncompromising" form, the heritage of German romanticism is the ideology of modernism, and it is again no surprise to learn that two of the authors are composers who write in academically protected styles. (The third, Kramer, is also a dabbler in composition, but that is not his main profession.) Despite their obvious self-interest, they claim to be offering disinterested commentary and propounding universal values
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O que aparece aqui com clareza é que estas preocupações têm na verdade uma agenda secreta. Por isso termino aqui por agora dizendo que os problemas da música clássica NÃO SÃO os meus problemas. O que não quer dizer que não goste de algumas ou de muitas obras que fazem parte da sua história e tenha até por vezes uma relação afectiva com determinadas peças ou compositores que nunca irá acabar. Mas essa é a minha escolha. Não quero sacralizar a "música clássica" no seu todo. Aliás há muita que nem sequer é boa, por muito escandaloso que isto possa parecer. Por isso não transporto comigo o peso nem a responsabilidade da manutenção de uma tradição de compositores que já morreram à muito. Desse problema há muita gente a tratar no mundo inteiro. É mesmo uma profissão. Basta olhar as programações das instituições e tirar as conclusões. Misturar estas duas ordens de problemas como se fossem o mesmo parece-me um erro.

Seguirá em breve a segunda parte.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A minha impaciência

Agradeço muito às pessoas que me fizeram companhia de várias formas ontem no concerto com A impaciência de Mahler na Casa da Música. Algumas disseram-me "não conhecia e gostei". Eu também gostei de ouvir pela quarta vez, nove anos depois da anterior.
Não conhecerem é normal. Aliás, da sala cheia, só eu e mais 3 ou 4 pessoas tínhamos ouvido antes. Face à prática corrente - obras tocadas poucas vezes - cada estreia, que nunca é suficiente para se conhecer uma obra (especialmente se não existir nenhuma gravação editada como é o caso), acaba por ser o modelo que se repete quase ad aeternum. De cada vez que as peças são tocadas é sempre como se fosse a primeira vez.
É este o contraste decisivo entre o repertório canónico - sempre repetido e já antes conhecido - e o repertório novo - desconhecido e sendo poucas vezes tocado - que nunca atinge a familiaridade que caracteriza o outro.
É um combate de vencedor antecipado entre o já-familiar e o nunca-familiar.

Music in the Detention Camps of the “Global War on Terror”

“You are in a place that is out of the world...”: Music in the Detention Camps of the “Global War on Terror”
SUZANNE G. CUSICK
Abstract
Based on first-person accounts of interrogators and former detainees as well as unclassified military documents, this article outlines the variety of ways that “loud music” has been used in the detention camps of the United States’ “global war on terror.” A survey of practices at Bagram Air Force Base, Afghanistan; Camp Nama (Baghdad), Iraq; Forward Operating Base Tiger (Al-Qaim), Iraq; Mosul Air Force Base, Iraq; Guanta ́namo, Cuba; Camp Cropper (Baghdad), Iraq; and at the “dark prisons” from 2002 to 2006 reveals that the use of “loud music” was a standard, openly acknowledged component of “harsh interrogation.” Such music was understood to be one medium of the approach known as “futility” in both the 1992 and the 2006 editions of the US Army’s field manual for interrogation. The purpose of such “futility” techniques as “loud music” and “gender coercion” is to persuade a detainee that resistance to interrogation is futile, yet the military establishment itself teaches techniques by which “the music program” can be resisted. The article concludes with the first-person account of a young US citizen, working in Baghdad as a contractor, who endured military detention and “the music program” for ninety-seven days in mid-2006—a man who knew how to resist.
in Journal of the Society for American Music (2008) 2:1-26, January 2008