terça-feira, 15 de maio de 2012

Como gerir a multiplicidade dos tempos em que vivemos?

Pequeno ensaio sobre os tempos
Vivemos numa multiplicidade de tempos diversos e simultâneos. O tempo lento da crise económica do sistema capitalista, o tempo existencial de cada um de nós, constituído por cada minuto da nossa vida, o tempo frenético dos media que nos procura fazer crer que, em cada dia, o futuro do mundo se vai decidir, o tempo médio das mudanças políticas. Gerir psicologiamente estes tempos diferentes mas simultâneos é tremendamente difícil e desgastante.
O tempo da crise é o tempo das crises económicas - que podem durar entre vinte cinco e cinquenta anos - sem que a sua presença na actualidade mediática deixe de nos transmitir a sensação de que tudo está por um fio: um tempo médio narrado como tempo frenético. Torna-se um pouco ridículo ouvir um repórter de Bruxelas falar da próxima cimeira europeia, ou do próximo G8 ou G6, não porque elas não mereçam notícia, mas porque o que é dito, foi dito em termos muito idênticos há um, há dois, há três anos, com poucas variantes. Dá a estranha sensação de uma imobilidade de fundo com uma superfície agitada e frenética. A luta política entre os vários responsáveis pela política global prossegue com o anúncio de medidas para combater a crise que se revelam pouco depois ineficazes para combater a crise. Aquilo que faz a actualidade das notícias sobre a crise manifesta-se de acordo com os critérios do tempo frenético dos media. Também os famosos "mercados" financeiros - lugar por excelência da luta dos especuladores - é igualmente regulado pelo tempo frenético. Na especulação financeira, num só dia, biliões de dólares ou euros podem mudar de lugar, de proprietário, de banco, de multimilionário. O tempo da economia, no sentido da acção humana produtora de bens e mercadorias e das suas trocas, é muito mais lento do que o movimento acelerado da troca de capitais. A tecnologia e a internet permitiram essa aceleração brutal.
Mas para um desempregado - aí colocado pela voragem destrutiva das medidas de austeridade, até aqui o remédio erroneamente proclamado para a crise - o tempo que domina a sua vida é existencial e vive-se de acordo com o ritmo da pulsação cardíaca, ou seja, não pára, não tem tempo para parar; é regulado pela necessidade de encontrar todos os dias, no pior dos casos, uma forma de sobreviver, uma forma de comer, uma forma de manter a vontade de viver. É desse modo, o tempo da existência quotidiana dos humanos; em cada minuto, em cada dia, pode passar do espanto para a revolta, da fúria para um sossego de fadiga, da luta convicta para a submissão e a desistência. É um tempo determinado pela crise mas que obriga a acções diárias de sobrevivência. Como vou arranjar dinheiro para a casa, para dar à mãe, para dar aos filhos, para pagar a escola, onde vou viver depois de ir entregar a casa ao banco, etc.
Os políticos, os cientistas sociais, os economistas vivem numa espécie de tempo intermédio: analisar, escrever, decretar, interpretar diariamente aquilo que envia sinais provenientes da profundeza do tempo médio da economia, da rapidez dos movimentos rápidos das bolsas financeiras e, nos casos mais lúcidos, interpretar os sinais inquietantes enviados para o ambiente dos movimentos lentíssimos do planeta, na sua rejeição imparável da agressão violenta dos humanos nas sociedades capitalistas industriais do mundo. Mas a acção deste vasto grupo, em particular dos políticos, sendo diária, só manifesta mudanças de vulto nos períodos eleitorais. Aí, desse tempo intermédio da democracia-actualmente-existente, saem por vezes sinais de alguma esperança para os que sofrem com a crise e sinais de preocupação para os que lucram com a crise. Os sinais são os mesmos, a sua interpretação é que varia conforme são pobres, motivados pela pulsão da sobrevivência, ou ricos, motivados pela pulsão da acumulação de capital.
Esta multiplicidade de tempos simultâneos parece mostrar a que tese de Walter Benjamin de que, nas revoluções, "o tempo sai dos eixos" - de Hamlet, "the time is out of joint" - se tornou o nosso tempo diário "normal", tal como na sua outra brilhante intuição de que nas sociedades capitalistas "o estado de excepção é a regra". Na crise todos os tempos se misturam e interligam.
Para quem tem emprego, trabalho, a regra é o medo: o medo de perder o emprego, o medo de frustrar as expectativas dos patrões, o medo das interpretações abusivas ou interesseiras das leis, que vão sendo alteradas de acordo com o programa político neoliberal de mudança radical da sociedade, do fim do contrato social entre o capital e o trabalho, dos equilíbrios tão duramente conquistados no tempo longo da história, do século XIX até aos anos 80 do século XX. Este medo é insidioso, infiltra-se sem darmos conta e o discurso da "culpa individual pelo falhanço", do "desemprego como oportunidade" assume enorme importância. Pode bem dar-se o caso de em empresas, escolas, fábricas, universidades, etc., o medo estar instalado dos dois lados: daquele que tem de despedir, tendo assumido e interiorizado a sua tarefa, e daquele que pode ser despedido. O primeiro sabe bem que pode vir a ocupar o lugar do segundo. O "downsizing" - eufemismo para despedimentos em média ou larga escala - caracteriza-se por ir subindo na hierarquia, podendo mesmo chegar ao patrão clássico, obrigado a vender a sua pequena ou inviável empresa a uma multinacional sem rosto (ou com rosto).  Um dos novos conceitos que revela mais claramente a violência do novo projecto de sociedade que se pretende criar é a passagem do conceito de "estudante" para o conceito de "cliente". O saber, os saberes, como "produto" de consumo que as Universidades e todas as instituições de ensino põem à venda para os seus "clientes". Neste processo misturam-se também diversos tempos: o tempo do ataque neoliberal já dura há mais de trinta anos; é um tempo em fase de aceleração; o tempo do cidadão (ainda com emprego) é um tempo diário de perplexidade e angústia face às mudanças forçadas que é obrigado a temer.  

sábado, 5 de maio de 2012

Anselm Jappe sobre arte contemporânea: duas ou três frases

Quando se fala em arte contemporânea fala-se daqui que se pode ver nos museus da dita, aquilo que anteriormente dava pelo nome de "artes plásticas". Nesse campo há vários problemas muito discutidos em debates em todo o ocidente.
Anselm Jappe deixa-nos alguns pontos que penso merecerem reflexão. Do fim do artigo para o princípio:
1. "O problema da arte contemporânea é a sua total falta de peso na vida colectiva - e o mais engraçado é que os seus profissionais se acomodam perfeitamente a esta situação... porque nunca ganharam tanto. Mas haverá obras que, daqui a cem anos, dêem conta daquilo que hoje [2007] estamos a viver? E há pessoas que sintam necessidade delas? ". Jappe, 2012, Ensaios acerca da decomposição do capitalismo, Antígona. (136.)
2. "Em 1962 [Marcel Duchamp] disse ao ex-dadaísta Hans Richter: "Este neo-Dada que agora se denomina Novo Realismo, Pop Art, assemblage, etc é um entretenimento barato que vive do que o Dada fez. Quando descobri os ready-made, esperava desencorajar esse carnaval de estetismo. Mas os neodadaístas utilizam os ready-made para lhes descobrirem um valor estético. Atirei-lhes os porta-garrafas e os urinóis à cara como uma provocação, e afinal eles admiram a sua beleza". (ib.: 133)
3. "A reflexão teórica não tem por missão justificar o presente ou glorificá-lo - e isto é verdade não apenas para a política ou para a economia, mas também para a arte. Antes de analisar o que fazem os artistas de hoje (ou aqueles que o mercado, os media e as instituições designam como tal), seria talvez preciso colocar uma questão prévia: Que expectativas podemos legitimamente formular no que diz respeito à arte contemporânea?" (ib.:124)