terça-feira, 15 de novembro de 2016

Sobre o artigo de Richar Taruskin "When Serious Music Mattered"

O artigo de Richard Taruskin "When Serious Music Mattered" incluído no livro On Russian Music (2009) começando por ser um escrito sobre a importância da música de Shostakovich na Rússia, o seu modo de escuta naquele país, durante uma visita de estudo que o autor fez no final dos anos 1980 e avançando para uma reflexão muito crítica sobre o ensino da música nos EUA na mesma época, constituiu em si um ponto de partida para pensarmos, não apenas isso - que já seria suficiente - mas, indo mais além, pode servir-nos para alcançar (talvez) uma maior consciência das profundas transformações que ocorreram até hoje no campo da música clássica: os seus modos de escuta, os modos de organização das suas formas e vida institucional no ocidente, a necessidade periódica de irmos atrás no tempo com frequência e reavaliarmos muitos dos adquiridos de cada momento histórico. Os novos olhares sobre o passado são uma das muitas formas de traduzir e refletir as mudanças do presente. Seria muito estranho que tudo no mundo estivesse em crise, em mudanças preocupantes que lançam inúmeras perplexidades e que, ao mesmo tempo, esta prática musical prosseguisse, olímpica, indiferente, estável e não afectada por todas as mudanças sociais, culturais e políticas em curso. Este facto - imaginar uma falsa estabilidade - pode ser um desejo ou uma aparência e surgir como uma imobilidade vista como "eterna" se o nosso olhar for superficial, rápido, distraído ou voluntarista. Mas este artigo de Taruskin serve para nos fazer pensar sobre as diferenças geoculturais, sobre o modo como isso interfere com os nossos juízos de valor precários e sobre o tempo como "grande escultor", que vai desgastando as próprias pedras milenares e alterando o modo como elas se dão ao nosso olhar. Não é apenas o olhar que muda, são as próprias pedras que mudam nas suas formas e transformam ao longo dos séculos. O termo "ruína" deriva do peso que o tempo provoca sobre as coisas.
A resistência a esta constatação de impermanência deriva de um vasto conjunto de crenças sedimentadas e nunca não é fácil de aceitar. Varia de forma notória igualmente com o lugar que cada um ocupa em cada momento. O lugar de onde se olha.