domingo, 26 de maio de 2019

Sempre uma singularidade

Nota sobre singularidade
 
Cada obra de arte musical, ou outra, é sempre uma singularidade. Este é o ponto principal deste folheto.  

As noções que mais tarde se podem associar a cada uma dessas singularidades como a noção de estilo  - ou de época ou de orientação ou influência  e por aí adiante, sendo estilo o que tende a ser mais exagerado no seu uso - que o carácter singular das obras como que desaparece debaixo da pulsão de erudição identificadora potente deste ou daquele estilo, desta ou daquela época, desta ou daquela tendência ou "escola". Este momento de identificação bibliotecária é útil porque permite encontrar o livro porque estando mal arrumado está perdido na imensa biblioteca. Mas é sempre uma intervenção posterior, nem que seja apenas um dia, mas geralmente séculos ou décadas. O processo pode ser individual, um único agente do campo cultural, ou colectiva ou generalizada sendo a passagem do tempo o facto que permite a junção de uma maior gama de intervenções classificadoras.

Não se trata de classificar ou agrupar mal ou bem. Trata-se de considerar menos ou quase nada o essencial da singularidade que cada uma é. Nem sequer um nome, canónico ou não, célebre ou quase desconhecido, se pode equiparar ou substituir às singularidades que cada obra constituiu. 

A cada nome liga-se pelo contrário uma lista de obras, de livros, de filmes, de poemas, etc. Neste lance biográfico surge a noção de "autor", de "criador", de membro de uma escola de três outros, etc. Estes conceitos são usados por todos e por mim próprio. Mas quero aqui afirmar que o seu uso agrava e ofusca  a aparição que cada obra é.

O carácter singular não implica nenhum juízo de valor.  Existe de forma independente da qualidade ou da falta dela, coisa que sabemos poder existir e, por vezes, o tempo faz mudar ou alterar o juízo, conforme passa e os juízos feitos num certo momento do tempo podem ser substituídos, actualizados ou recontextualizados noutro momento do tempo posterior. 

Em todo o caso todas estas práticas de tomadas de posição são usuais e frequentes.  Fazem parte dos discursos correntes sobre a música e a artes em geral. Quanto vale um nome? Quanto vale um Vermeer? Ou um Cezanne? Ou valores são muito elevados. Cada campo valoriza um nome e uma lista de obras. E apenas alguns são capazes talvez de considerar como mais importante do esse valor social geralmente aceite aquela singularidade particular. No fundo todos sabemos isso. Quando um prática discursiva se enraíza verifica-se que as raízes se multiplicam, se usam muito e se naturalizam. Julgo que não há nada a fazer pelo que me diz respeito. O número de vezes que as usei como natural não tem limite. É assim que falamos uns com os outros. Usando generalizações e lugares-comuns correntes. 

(mas há singularidades...)  

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